"Autocratas e ditadores fascinavam Trump", diz Merkel em livro de memórias
"Autocratas e ditadores fascinavam Trump", diz Merkel em livro de memórias - Ex-líder alemã revisita trajetória em "Liberdade". No livro, relata "sensação ruim" após encontro com então presidente dos EUA em 2017, e defende decisões de manter proximidade com a Rússia e barrar a Ucrânia na Otan.A ex-chefe de governo alemã Angela Merkel escolheu como título para seu livro de memórias nada menos do que Freiheit (Liberdade). Já às vésperas do ansiosamente aguardado lançamento, marcado para esta terça-feira (26/11), a revista Zeit Magazin publicou alguns trechos instigantes, também sobre as interações da política conservadora com o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.
Sobre o encontro entre ambos na Casa Branca, em março de 2017, logo após ele assumir o mandato, a ex-chanceler federal relata ter ouvido "uma série de perguntas" do magnata nova-iorquino, que queria saber sobre do histórico dela na Alemanha Oriental e da relação dela com Vladimir Putin.
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"Ele estava claramente muito fascinado com o presidente russo [...]. Nos anos seguintes, tive a impressão de que era atraído por políticos com tendências autocráticas e ditatoriais."
O encontro, em que o mandatário republicano repetiu muitas das críticas à Alemanha feitas durante sua campanha eleitoral, deixou a então chanceler federal "com uma sensação ruim".
Pedindo conselhos ao papa sobre Trump
Segundo Merkel, Trump "alegou que eu tinha arruinado a Alemanha ao aceitar tantos refugiados em 2015 e 2016, nos acusou de não gastar o suficiente com defesa e nos criticou por práticas comerciais injustas." Em especial a visão de tantos carros alemães em Nova York era "uma pedra no sapato dele".
"Estávamos falando em dois níveis diferentes – Trump, no emocional; eu, no factual. Quando ele sequer prestava atenção aos meus argumentos, em geral era para transformá-los em novas acusações."
A política democrata-cristã chegou a pedir conselhos ao papa Francisco sobre o assunto, pouco antes da cúpula de 2017 do G20, em Hamburgo. Sem mencionar nomes, ela lhe perguntou como deveria manobrar opiniões fundamentalmente díspares num grupo de personalidades importantes.
"Ele entendeu logo e me respondeu diretamente: 'Curve, curve, curve, mas se assegure de que não vai quebrar.'" Ela gostou da imagem: "Nesse espírito, eu ia tentar resolver meu problema com o Acordo de Paris e Trump, em Hamburgo, embora não soubesse exatamente o que isso significava, em termos concretos." Em junho daquele mesmo ano, o então presidente americano retirou seu país do acordo do clima.
Merkel ainda defende a Rússia
Freiheit foi lançado nesta terça-feira em 30 países. Abarcando desde a juventude na República Democrática Alemã (RDA), sob regime socialista, aos 16 anos à frente do governo da República Federal da Alemanha (RFA) unificada, o volume de 736 páginas foi coescrito por Beate Baumann, consultora política de Merkel de longa data.
Entre outros temas da política mundial, a ex-líder conservadora, atualmente com 70 anos, defende tanto sua política de manter laços estreitos com a Rússia, quanto sua decisão, na cúpula de Bucareste, em 2008, de barrar o ingresso da Ucrânia e da Geórgia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) – ambas posturas severamente criticadas, sobretudo desde o início da guerra russa contra a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.
"Eu entendia o desejo de se tornar membro da Otan o mais rápido possível, porque elas queriam ser parte da comunidade ocidental após o fim da Guerra Fria." No entanto a Aliança Atlântica tinha que considerar o efeito de cada novo filiado potencial em sua própria "segurança, estabilidade e capacidade de funcionar", justifica.
Após a cúpula na capital da Romênia, Merkel voltou para casa com a sensação de que "nós, na Otan, não tínhamos nenhuma estratégia comum para lidar com a Rússia": muitos países da Europa Central e Oriental "pareciam desejar que o país simplesmente desaparecesse, que não existisse".
"Seria difícil culpá-los, pois haviam sofrido por longo tempo sob o regime soviético [...]. Mas a Rússia, com seu arsenal nuclear, existia, sim, e era – e é – geopoliticamente indispensável."
av/ra (AFP,KNA,ots)