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O branco zulu que cresceu sem os privilégios do "apartheid"

Na fotografia de arquivo, GG Alcock (esq.), sul-africano branco que cresceu entre negros durante o "apartheid" - Efe/Arquivo
Na fotografia de arquivo, GG Alcock (esq.), sul-africano branco que cresceu entre negros durante o "apartheid" Imagem: Efe/Arquivo

Marcel Gascón

Da Efe, em Johanesburgo

22/11/2014 06h03

GG Alcock é um sul-africano branco com uma história única. Ele cresceu durante o "apartheid" entre seus compatriotas negros mais pobres. Hoje usa sua experiência para abrir portas, dos mercados informais às multinacionais, e gerar prosperidade aos jovens não qualificados dos antigos guetos.

Sua história, relativamente desconhecida na África do Sul, chamou atenção nas páginas dos jornais estes dias com a publicação de seu livro autobiográfico, "Third World Child" ("Criança do Terceiro Mundo"), que tem como subtítulo o resumo de sua excepcionalidade: nascido branco, criado zulu.

"Meu pai era um granjeiro muito rico, que com 40 anos decidiu vender tudo e começar a mudar a vida das pessoas", conta à Agência Efe Alcock, ao explicar como, no começo dos anos 60, seu pai, Neil Alcock, percorria o país para ensinar o cultivo de terra nas discriminadas comunidades negras.

Mas o Governo segregacionista estava tirando os sul-africanos negros da terra e o granjeiro Neil sentia que não bastava ajudar: tinha que viver entre eles e, principalmente, como eles.

"Minha mãe era jornalista. Foi enviada para entrevistar este louco branco que vivia de lá pra cá com os negros", diz GG Alcock sobre sua mãe Creina.

Eles casaram e Creina foi viver com Neil, sem água e sem luz como os outros habitantes em um assentamento da cidade de Msinga. Alcock e seu irmão Khonya cresceram como os amigos de Msinga tendo o zulu, dialeto falado no leste da África do Sul, como primeira língua, tomando banho no rio e sentados debaixo de uma acácia ouvindo lições da mãe.

A luta de Neil e Creina contra os atropelos do regime foi muito intensa e frequentemente literalmente física, com os filhos nos braços resistindo aos agentes para deter expropriações entre o rugir dos motores dos veículos policiais.

Esta batalha de seus pais contra o "apartheid" não marcou apenas o caminho do futuro ativismo político de Alcock, mas também lhe deu o nome.

"Meu nome vem dos caminhões do governo que derrubavam a casa das pessoas, que tinham como matrícula GG, 'Government Garage' (Garagem do Governo)", conta Alcock, que hoje tem uma empresa de marketing que o mantém ligado as suas origens.

"Em zulu, os nomes são dados pelas características. O nome do meu irmão, por exemplo, é Khonya, que significa 'o que faz muito barulho'", relata.

Alcock sentiu pela primeira vez a asfixiante ortodoxia do regime quando com 14 anos foi obrigado a ir à escola com as demais crianças brancas da região. A maioria era filho da conservadora comunidade granjeira, que seu pai tinha abandonado, ou dos policiais que assediavam os Alcock e seus vizinhos em Msinga, que é "ainda hoje um dos lugares mais pobres do país".

"Odiávamos! Eles nos chamavam de afrikaans, 'kaffir boeties' (irmãos dos 'kaffir'), termo depreciativo para fazer referência aos negros na África do Sul, e só éramos felizes quando voltávamos no fim de semana para encontrar nossos amigos zulus", conta.

Anos mais tarde, Alcock passou pelo Exército, com uma excelente folha de serviços como soldado e episódios de rebelião por se negar a servir nos "townships" (guetos negros) e por seu ativismo contra o serviço militar obrigatório.

Ele se uniu também à resistência política contra o regime e voltou à disciplina militar como reservista, fazendo tradução para as tropas que tentavam pacificar os "townships" no começo dos anos 90, em plena guerra civil e tribal entre facções negras.

Depois do fim do "apartheid" em 1994, Alcock começou a guiar as empresas em tentativas de abrir mercado em antigos guetos negros, um trabalho que o levou a fundar sua agência de marketing, a Minanawe.

A companhia que ele mesmo dirige e que emprega duas mil pessoas, a maioria sem qualificação prévia, trabalha em mercados informais urbanos e rurais de todo o sul da África.

Em sua empresa de maior sucesso, introduziu fatias de queijo da marca Parmalat nas populares receitas de fast-food de "townships", de Soweto (Johanesburgo), após convencer os vendedores de que, se acrescentassem este ingrediente aos pratos, conseguiriam a fidelidade dos clientes com descontos e promoções.