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Após 500 anos de divisão, papa dá passo em prol da união com luteranos

27/10/2016 17h35

Cristina Cabrejas.

Cidade do Vaticano, 27 out (EFE).- A Igreja Luterana sempre realizou os festejos da Reforma Protestante como uma "libertação" da Igreja Católica Apostólica Romana, mas desta vez a presença do papa Francisco na Suécia para celebrar os 500 anos da divisão servirá para evocar os esforços em prol da reconciliação.

O protesto do monge agostiniano Martinho Lutero contra as "injustiças" da Igreja, como a venda de indulgências e seu gesto de pregar as 95 teses na porta da Igreja do Palácio de Wittenberg, na Alemanha, em 31 de outubro de 1517, produziu uma das quebras mais violentas.

Daquele momento em diante, a Igreja Católica Apostólica Romana e a fé que passou a ser denominada Protestantismo estiveram separadas por ideias doutrinariamente irreconciliáveis e que muito dificilmente serão superadas. Mas desde o Concílio Vaticano II (1961), e principalmente nos últimos anos, passos têm sido dados rumo à tão esperada união dos cristãos, que também inclui os ortodoxos.

"A grande novidade neste centenário é que se trata do primeiro que se lembra em época ecumênica e não se realizará a divisão", explicou Franco Buzzi, presidente da Biblioteca Ambrosiana, em Milão, e um dos fundadores da Academia dos Estudos Luteranos na Itália.

O presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, o cardeal Kurt Koch, destacou no dia da apresentação da viagem a importância deste evento com relação às cerimônias anteriores de comemoração da Reforma Protestante, que eram "triunfalistas e polêmicas por parte de ambos os lados".

O secretário da Federação Luterana Internacional, reverendo Martin Junge, por sua vez, disse que estão "extremamente agradecidos pela presença e pelo alto valor que vai proporcionar uma comemoração conjunta".

"É uma continuidade do caminho dos antecessores e um ato de grande potencial sobre o qual queremos trabalhar", acrescentou na entrevista coletiva organizada pelo Vaticano.

O Concílio Vaticano II já comprometeu à Igreja Católica "a percorrer o caminho da ação ecumênica" e as posteriores viagens do papa João Paulo II aos países protestantes e os encontros com seus representantes foram prova disso. Mas o grande passo foi a declaração conjunta sobre a Doutrina da Justificação assinada em 1999 por luteranos e católicos e que esclarecia algumas posições que até então tinha causado profundas divisões. Não houve acordo pleno, mas muitos pontos em comum.

A declaração conjunta foi assinada pelo cardeal Edward Cassidy, então prefeito Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e pelo bispo Christian Krause, presidente da Federação Luterana Mundial, em 31 de outubro, mesma data do gesto cismático de Lutero.

A chamada "Justificação" é a definição de salvação do homem, pois enquanto católicos acreditam que para se salvar é muito importante realizar obras em vida, os protestantes afirmam que a graça divina, a fé, tem força suficiente para isso.

Foi Bento XVI que em 24 de janeiro de 2011 em seu discurso ao bispo luterano Friedrich e a delegação da Igreja Evangélica Luterana Unida da Alemanha disse: "Em 2017, os luteranos e os católicos terão a oportunidade de celebrar no mundo todo uma comemoração ecumênica comum, para lutar pelas questões fundamentais em nível global. Não como uma comemoração triunfal, mas como uma profissão comum de nossa fé no Deus, um e trino, na obediência comum o nosso Senhor e a sua palavra ".

Participar da comemoração de um cisma parece paradoxal, mas faz parte deste caminho ecumênico (rumo à unidade dos cristãos) indicada no Concílio Vaticano II e que Francisco está intensificando com suas viagens.

As diferenças entre católicos e luteranos ainda são maiores em quantidade do que os aspectos que os unem. Além do tema das indulgências, Lutero também erradicou o culto aos santos e os protestantes só consideram o batismo e a eucaristia como sacramentos, enquanto a ordem sacerdotal e o casamento não o são.

Outro ponto bastante distinto é o que as mulheres podem ser "pastoras" na Igreja Luterana, enquanto na Católica a mulher pode no máximo ser ministra da eucaristia, dois cargos abaixo de o do padre. Em agosto deste ano, o papa Francisco instaurou uma comissão para estudar a inclusão das mulheres para presidir algumas cerimônias litúrgicas.

Por enquanto, os diálogos seguem e prova disso é que também está em processo de estudo o documento "From Conflict to Communion" (Do conflito à comunhão), publicado em 2013 e distribuído entre as comunidades católicas e luteranas.