Flávio Dino vê Bolsonaro atuar em crise da pandemia como "profeta do caos"
Cotado por alguns setores da esquerda como um possível candidato ao Planalto nas eleições de 2022, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), intensificou as críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pelas ações em meio à pandemia do novo coronavírus.
Em entrevista à Agência Efe por videoconferência, o ex-juiz federal e ex-deputado criticou a demissão de Luiz Henrique Mandetta como ministro da Saúde e afirmou que Bolsonaro atua como "agente catalisador dessa crise, quase como se fosse um cavaleiro do apocalipse, um profeta do caos".
"Ele anuncia e tenta realizar o caos, e começa isso a partir da desestruturação da sua própria equipe no pior momento. É evidente que ele tem o poder e a prerrogativa de escolher seus auxiliares. Não é o tempo adequado, no meio de um tsunami, trocar a tripulação do navio", declarou.
Apesar de ter assinado recentemente um manifesto, ao lado de outros nomes fortes da oposição, que pede o impeachment de Bolsonaro, Flávio Dino afirmou ser contra uma mudança de poder em Brasília dessa forma durante a pandemia.
"Consideramos que o manifesto cumpre vários papéis, sobretudo o de apresentar uma perspectiva pós-pandemia. Acho que neste momento não há espaço para discutir impeachment ou nada desse tipo, embora haja motivos constitucionais", disse.
O governador maranhense conta com a simpatia de Luiz Inácio Lula da Silva, com quem planejava participar de uma série de reuniões após uma visita feita pelo ex-presidente à Europa em março. Ele também defende a formação de uma "frente ampla" de esquerda e a aproximação de líderes políticos de outros campos, como o da centro-direita, embora acredite que esse movimento não se traduza em uma unificação de pautas nas eleições de 2022.
Confira a entrevista:
Agência Efe: Como o senhor avalia a gestão do governo Jair Bolsonaro durante a crise da pandemia do novo coronavírus?
Flávio Dino: Ele partiu de uma premissa equivocada, e essa premissa explica o conjunto de erros decorrentes. A premissa é negacionista, segundo a qual (o coronavírus) seria uma gripezinha, quando todo mundo já enxergava, com cores bem dramáticas, que se tratava de uma gravíssima crise sanitária. Como ele minimizava o problema por motivos ideológicos, muito singulares e próprios desse ideário de extrema-direita que professa, ele não preparou o Brasil, então não houve a implementação adequada de uma coordenação nacional, não há sequer estabilidade na equipe da saúde.
Efe: O senhor acredita que o discurso de Bolsonaro (contrário ao isolamento social) dificulta o trabalho dos governadores na hora de convencer a população de ficar em casa?
Dino: O presidente da República é, no nosso sistema constitucional, a mais alta autoridade. Ele exerce uma série de poderes materiais, práticos e também simbólicos, como o poder da palavra presidencial. Naturalmente ela tem um papel de persuasão e dissuasão não só entre seus apoiadores mais fiéis, mas também em relação à sociedade como um todo. E isso faz com que os governadores tenham um esforço adicional. Além de tomar decisões, têm que lutar para mantê-las nos tribunais, porque o próprio Governo Federal tenta derrubá-las, e lutar para convencer a sociedade de que aquilo que o presidente da República está dizendo e fazendo não é o certo.
O presidente da República faz uma manobra de tentar imputar aos governadores o ônus da crise econômica já instalada, no caso brasileiro pré-existente, agudizada pelo coronavírus. Ele usa a crítica às medidas sanitárias para tentar fixar o ônus da crise econômica sobre os ombros dos governadores. Isso é perverso, é uma barbaridade, é algo desleal, seja do ponto de vista das relações federativas, seja do ponto de vista das relações políticas. Gostaria muito que houvesse um outro ambiente, em que as diferenças políticas fossem substituídas pela compreensão do papel da união nacional nesse momento tão grave.
Efe: Como o senhor avalia a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta?
Dino: Não conheço nenhum caso similar na história brasileira, em que um presidente da República, em vez de mitigar uma crise, ele é o agente catalisador dessa crise, quase como se fosse um cavaleiro do apocalipse, um profeta do caos. Ele anuncia e tenta realizar o caos, e começa isso a partir da desestruturação da sua própria equipe no pior momento. É evidente que ele tem o poder e a prerrogativa de escolher seus auxiliares. Não é o tempo adequado, no meio de um tsunami, trocar a tripulação do navio. Isso pode afundar o navio. É a consumação de um equívoco.
Efe: O senhor e outros líderes políticos do campo progressista assinaram um manifesto pedindo a renúncia do presidente. Considera que a saída de Bolsonaro seria adequada no momento?
Dino: Consideramos que o manifesto cumpre vários papéis, sobretudo o de apresentar uma perspectiva pós-pandemia. Acho que neste momento não há espaço para discutir impeachment ou nada desse tipo, embora haja motivos constitucionais.
Nós apresentamos um plano emergencial, econômico e sanitário, mas dissemos: depois vamos precisar de uma saída institucional. Pela atuação do Bolsonaro, é muito difícil que essa repactuação do país se dê a partir dele. Nós estamos vendo que, além das terríveis perdas humanas, nós estamos vivenciado, provavelmente, a maior crise econômica da história brasileira (...) Neste momento, precisamos de líderes que sejam capazes de grandes pactos, que coloquem a união sobre as diferenças, que coloquem um consenso sobre dissensos. E o Bolsonaro é exatamente o ser antinômico em relação a isso. Além de não buscar a união e o consenso, ele busca exatamente o contrário, ele busca o conflito, ele busca a divergência. Ele toma atitudes inesperadas, intempestivas.
É muito difícil imaginar que, após essa crise sanitária, nós vamos enfrentar uma crise econômica gigantesca que pode se traduzir em uma crise social e mesmo da democracia com Bolsonaro no comando.
Efe: O governador de São Paulo, João Doria, e o do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, se transformaram nos rostos mais visíveis da oposição a Bolsonaro, e essa oposição parte da própria direita. Como o senhor analisa o papel da esquerda nessa crise? Acredita que está faltando articulação?
Dino: Nós temos conseguido nessa crise o principal, que é atrair forças diferentes da esquerda para as nossas posições. Não basta a esquerda ter razão, é preciso que ela tenha capacidade de fazer com que suas proposições sejam vitoriosas (...).
Longe de enxergar como um problema o fato de Doria e Witzel terem hoje esse caminho mais crítico (em relação a Bolsonaro), eu considero como êxito nosso, porque significa que nossa perspectiva política foi capaz de se revelar mais acertada. Isso tem que se traduzir em medidas concretas. Me refiro à renda básica (de R$ 600, concedida emergencialmente a trabalhadores informais), uma tese tradicionalmente da esquerda brasileira, liderada pelo ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que acabou sendo vitoriosa na Câmara, no Senado. E isso com toda a resistência da equipe econômica (do governo federal), que, no princípio, imaginava um auxílio de R$ 200. Mas nós, mediante uma atuação firme, conseguimos a maioria na Câmara e no Senado, exatamente pelo fato de a esquerda ter se juntado às forças de centro, de centro-direita e liberais. Conseguimos a maioria que fez com que o governo visse que seria derrotado e aderisse à nossa posição.
Efe: O estado do Maranhão importou respiradores e máscaras da China através da Etiópia para evitar que fossem confiscados por outros países ou pelo próprio Governo Federal. Como foi montado o esquema chamado por uns de "operação de guerra"?
Dino: Nós tivemos algumas compras frustradas por uma série de razões, mecanismos formais e informais que hoje estão atuando por uma questão objetiva: há uma super demanda diante de uma deficiência de oferta. E isso faz com que um conjunto de empresas e também de governos usem uma série de instrumentos para conseguir receber esses produtos. No nosso caso, tivemos três tentativas frustradas em razão de operações de outros governos ou outras empresas.
Desenvolvemos uma estratégia baseada em duas empresas brasileiras que atuam no Maranhão e nos apoiaram nisso. Nós arrecadamos o fundo estadual, pagamos, e essas duas empresas privadas nos ajudaram na logística. E nós narramos a elas as dificuldades anteriores e dissemos: pode ser que, se houver uma rota alternativa, seja melhor. Felizmente, essas empresas identificaram essa rota que passava pela Etiópia, e foi possível, mediante um voo que ocorreu sem nenhum problema e chegou até São Paulo. Nós recebemos a carga no aeroporto de Guarulhos, imediatamente a embarcamos em um avião fretado pelo governo do estado e a trouxemos para São Luís, exatamente para evitar qualquer contratempo. Não havia nenhuma indicação objetiva de que ocorreria (um confisco), mas os casos anteriores nos levaram a ter cautelas.
Efe: O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a elogiar o papel de João Doria no combate à crise do coronavírus. Acredita que existe algum tipo de aproximação por parte do arco progressista em relação ao governador de São Paulo?
Dino: Não creio nisso no que diz respeito ao campo eleitoral. Acho que, do ponto de vista político e da gestão do país, acaba sendo uma coisa positiva, porque, quando você amplia o conjunto de forças ao seu lado, naturalmente está tornando mais viável que suas teses sejam acolhidas.
Ou nós fazemos uma frente ampla do nosso lado, ou a frente ampla estará do outro lado. Essa frente ampla é importante neste momento, agora, muito dificilmente isso se traduzirá em um projeto eleitoral comum em 2022, pois existem diferenças programáticas, como o combate à desigualdade social, a importância das políticas públicas.
Efe: O senhor conta com a simpatia do ex-presidente Lula. Ele está tentando convencê-lo a voltar ao PT? E o senhor planeja ser candidato à presidência em 2022?
Dino: Hoje, no meio desse turbilhão, é claro que a eleição presidencial se tornou ainda mais distante, é um ponto muito pequeno no horizonte, tendo em vista que nós temos um caminho bastante tortuoso para chegar lá. Temos desafios dramáticos nos campos da saúde, econômico e social, e que têm implicações na questão democrática, pois sentimentos como medo, pânico, desespero, conduzem a saídas fascistas, de ruptura antidemocrática. Temos muitas tarefas fundamentais até para proteger a eleição de 2022.
Por essa razão, qualquer debate sobre 2022 foi adiado. Mesmo essas conversas que eu vinha mantendo com o ex-presidente Lula, que é o principal líder da esquerda brasileira, ficaram congeladas até do ponto de vista prático, uma vez que não pudemos fazer viagens, reuniões, seminários. Eu tinha conversado com ele antes da viagem dele à França (no começo de março) que, na volta, nós faríamos uma série de reuniões com governadores, visitas, ele iria ao meu estado.
Tudo isso foi adiado, de modo que hoje não há nenhuma tratativa no nosso campo sobre eleição presidencial. Vamos ver, a partir do segundo semestre, se essas articulações voltam em torno do principal, que é a união da esquerda. A esquerda tem que estar unida em 2022. Esse é o meu objetivo.