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Congresso fragmentado condicionará próximo governo do Chile

17/12/2021 15h09

Sebastián Silva.

Santiago, 17 dez (EFE).- Nem o esquerdista Gabriel Boric, nem o ultradireitista José Antonio Kast, que disputarão o segundo turno das eleições presidenciais do Chile no domingo, terão maioria no Congresso: o atual cenário obrigará o vencedor a formar alianças estáveis que viabilizem seu projeto em um espaço fragmentado e pressionado pelas ruas.

As eleições de 21 de novembro definiram que haveria não só um segundo turno eleitoral marcado por posições antagônicas, mas também uma dispersão de alas políticas e o surgimento de novas forças no Congresso que darão importância ao diálogo entre os poderes Executivo e Legislativo.

Os 155 deputados e 50 senadores serão distribuídos em equilíbrio a partir de março de 2022: progressistas e conservadores ficaram com aproximadamente metade dos assentos em cada câmara, embora sem bancadas hegemônicas específicas.

Aprovo Dignidade, a chapa do candidato do partido no poder, Gabriel Boric, ganhou 37 deputados e quatro senadores. Em contraste, a Frente Social Cristã (FSC), de Kast, ganhou 15 deputados e apenas um senador.

Especialistas disseram à Agência Efe que o diálogo e a habilidade política serão fundamentais para quem estiver no poder nos próximos quatro anos, marcados por uma grande efervescência social após a onda de protestos que abalou o país no final de 2019 e grandes expectativas de uma mudança de modelo.

"DISPOSIÇÃO DE DIÁLOGO".

Para María Cristina Escudero, doutora em Ciência Política e acadêmica do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile, o governo "terá de mostrar bastante capacidade para concentrar as forças que necessita".

"A maioria das políticas públicas que requerem reformas têm de ser leis, e isso obriga o Executivo a falar com o Congresso. Hoje em dia, este é um espaço sem forças predominantes. Aliás, uma vez que esta nova composição ainda não começou a funcionar, nem conhecemos as afinidades que podem ser geradas nas áreas do centro", analisou.

Neste sentido, Escudero frisou a necessidade de uma "disposição de diálogo", embora isso exija gerar condições de confiança e um retorno à "moderação da linguagem", considerando as divisões que foram acentuadas durante a campanha eleitoral.

NOVOS GRUPOS.

A direita chilena, que segundo analistas políticos locais sofreu uma das suas crises mais profundas no período atual e foi forçada a se rearticular, adotou posições mais duras e conservadoras, se afastando do horizonte liberal estabelecido há alguns anos por partidos como Evolução Política e Ciudadanos.

Como cristalização deste fenômeno, as eleições de novembro resultaram na eleição de 15 deputados da Frente Social Cristã, uma coalizão de extrema direita apoiada por José Antonio Kast e com membros ligados ao mundo evangélico e pinochetista.

Da mesma forma, a chegada do Partido da Gente (PDG) - grupo que apoiou o ex-candidato independente de direita Franco Parisi, que surpreendentemente ficou em terceiro lugar no primeiro turno - com seis deputados na Câmara, exige mais flexibilidade nas estratégias de negociação, diz Escudero, uma vez que que não tem participado permanentemente do debate público chileno.

"ACORDOS TRANSVERSAIS".

Segundo Josefina Araos, historiadora e pesquisadora do Instituto de Estudos da Sociedade (IES), o próximo presidente terá de mostrar "muita virtude política", na medida em que o seu desafio, além de promover um programa, será "negociar e articular acordos transversais".

O objetivo, segundo ela, é "alcançar a colaboração após tempos em que a característica entre o Executivo e o Congresso tem sido o obstrucionismo".

"Será uma tarefa difícil, pois conhecemos a composição do futuro Congresso: altamente fragmentado, com um número significativo de novas figuras e uma dinâmica política anterior muito deteriorada, com sinais de intolerância de dissidência política e marcado pela desconfiança e ressentimento mútuo", afirmou.

Neste contexto, Araos aponta para o trabalho "delicado" que a próxima gestão terá de realizar, "uma vez que é essencial que a fragmentação não se traduza novamente em bloqueio".

"Pode ser positivo ter um Congresso onde ninguém tem uma maioria clara porque obriga a moderação, mas também é um risco: os cidadãos de hoje são impacientes e têm exigências há muito adiadas. Não há lugar para atrasos, e isto exigirá reivindicar os acordos vilipendiados. É sobretudo nesta área que o próximo governo terá de se mover", acrescentou. EFE