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OPINIÃO

No ano 60 do golpe, poder militar ainda ameaça democracia

O general Olímpio Mourão Filho (com cachimbo) e o então governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto (de óculos), durante a festa de retorno das tropas militares a Juiz de Fora (MG) após o golpe militar, em 7 abril de 1964 Imagem: Arquivo Fotográfico/Museu Mariano Procópio

Ricardo Kotscho

Colaboração para o UOL

10/03/2024 04h00Atualizada em 10/03/2024 14h25

No dia 1º de abril de 1964, mesmo ano em que comecei a trabalhar como jornalista, eu tinha 16 anos. Estudava no curso médio do Liceu Pasteur, em São Paulo, e trabalhava na Gazeta de Santo Amaro, um jornal de bairro. Sou, portanto, contemporâneo e testemunha ocular da ditadura militar, que duraria 21 anos.

No meio de uma aula, o diretor da escola entrou na classe e, com ar grave e poucas palavras, mandou todo mundo para casa. Saímos todos em silêncio, sem a menor ideia do que estava acontecendo.

No caminho para o ponto de ônibus, parei numa banca onde já chegavam as manchetes assustadoras das edições extras dos jornais, anunciando o golpe militar (chamado então de "revolução"). O presidente João Goulart foi deposto pelo Senado no dia seguinte. Na madrugada do dia 31 de março, tropas comandadas pelo general Olímpio Mourão Filho saíram de Juiz de Fora (MG) em direção ao Rio de Janeiro, e o resto é história. E é sempre bom lembrar dela para que não se repita.

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A ditadura militar acabou oficialmente em 1985, com a posse do primeiro presidente civil, José Sarney, mas seus fantasmas pairam sobre o país até hoje. Ainda outro dia, por muito pouco, como agora sabemos, não vivemos todo aquele pesadelo de novo, com a tentativa fracassada de um outro golpe militar, sob o comando de Jair Bolsonaro, um capitão reformado pelo Exército por insubordinação.

Na agora célebre reunião do começo de dezembro de 2022, em que o capitão apresentou seu roteiro do golpe ao ministro da Defesa e aos três comandantes militares, para impedir a posse do presidente eleito em outubro, houve empate em 2 a 2.

O ministro da Defesa, Paulo Sergio, e o comandante da Marinha, almirante Garnier, apoiaram o plano sinistro, mas os comandantes do Exército, Freire Gomes, e o da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Baptista Jr., se opuseram. Bolsonaro não teve coragem de desempatar e assinar o decreto do estado de sítio mostrado a eles, primeiro passo para o golpe. Só por isso, e graças às instituições e aos eleitores, não vivemos um novo 1964.

Do general Mourão Filho ao capitão Bolsonaro, de tempos em tempos, o poder militar ameaça a nossa jovem e frágil democracia, desde a Proclamação da República, porque o poder civil nunca teve coragem para discutir de fato o papel das Forças Armadas no Brasil em tempos de paz.

A julgar pelo nível dos oficiais superiores envolvidos na trama de 2022, uma ampla reforma nas Forças Armadas, definindo claramente suas funções, missões e limites, tem que começar pelo currículo e ensino nas escolas militares, que ainda vivem na época da Guerra Fria, como era em 1964. Por isso, até hoje, eles estão caçando "comunistas" para atacar o atual governo.

"Melhor não mexer com eles", costumam sempre dizer os líderes civis quando se toca nesse assunto, mais ou menos o que fez o presidente Lula na semana passada, quando perguntado sobre a triste efeméride dos 60 anos. E assim eles avançam e recuam, como agora, em que se sentem acossados pelas investigações sobre a preparação do golpe flopado, que pode levar para a cadeia brevemente o capitão e seus generais.

Se vivêssemos tempos de guerra real contra outro país, estaríamos perdidos. Basta ver o que está acontecendo nas nossas fronteiras amazônicas, que mais parecem um queijo suíço, onde o crime organizado do narcotráfico e do contrabando de ouro e madeira a cada dia avança mais, por terra, pelos rios e pelo ar, sobre as áreas indígenas demarcadas, destruindo a floresta, a fauna, a flora e a vida do povo ribeirinho, afetando o clima no planeta.

Nossos bravos patriotas fardados preferem ficar bem longe dessas fronteiras, onde são mais necessários, de preferência morando em boas cidades litorâneas lotadas de quartéis. Quando são convocados a atuar para proteger e levar cestas básicas ao povo yanomami pedem verbas extras, como se fossem uma empresa de segurança privada, a exemplo do que aconteceu recentemente. O polpudo orçamento anual das FFAA nunca é suficiente.

Enquanto esta questão militar não for resolvida, de uma vez por todas, o poder civil e a democracia continuarão ameaçados todas as vezes em que as Forças Armadas se intrometerem em política, eleições e urnas eletrônicas. Para boa parte deles, 1964 ainda não acabou.

Vida que segue.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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