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Avignon 2018: célebre bailarina de flamenco aborda no palco gravidez e homossexualidade

08/07/2018 16h44

Ícone da dança flamenca contemporânea, a bailarina Rocío Molina comoveu o público do Festival de Avignon revisitando a dança popular andaluza com o ...

Enviada especial a Avignon

Conhecida por ter revolucionado a dança flamenca, Rocío, grávida atualmente de 4 meses, resolveu compartilhar com o público o processo de transformação de seu corpo. Entre sapateados estonteantes, ela relata os episódios da fecundação in vitro a que foi submetida e expõe sua decisão de ser mãe solteira.

Quem não conhece Rocío Molina, poderia pensar que seu espetáculo é um ataque de egocentrismo agudo. Afinal, como ela bem lembra, quantas mulheres passam pelo mesmo processo?

Transe coreográfico

Mas o que ela propõe em cena é um transe coreográfico de extrema sutileza. Ela expressa seu desejo de mulher, solteira, homossexual, de ser mãe e da sua impossibilidade de escolher entre a maternidade e a dança. “Eu escolhi, então, dançar essa criança que está em mim”, diz ela.

No palco, três mulheres interagem: Rocío, sua mãe, Lola Cruz, e a magnífica cantora e compositora catalã, Sílvia Perez Cruz, conhecidíssima na Espanha e autora da música que dá o nome ao espetáculo. As três falam, dançam e cantam em cena, simbolizando o que elas chamam de uma “rede de mulheres”, solidárias entre elas através dos séculos.

Dança flamenca desde os sete anos de idade

A história de vida da jovem de Málaga, hoje com 34 anos, é fascinante e já foi objeto do belo documentário “Impulso” do espanhol Emilio Belmonte. Ao contrário do que se pode imaginar, Rocío não vem de uma família de bailarinos ou guitarristas de flamenco. Ela conheceu a dança andaluza aos três anos de idade e aos sete já sabia que queria ser uma bailarina de flamenco. Não muito alta e gordinha, foi logo aconselhada a abandonar a ideia, pois seu físico não correspondia ao estereótipo exigido para isso.

Mas sua paixão foi mais forte do que as barreiras. Aos 17 anos ela começou a dançar flamenco profissionalmente e uma de suas primeiras prestações foi com Maria Pagès, uma das maiores referências do gênero. Aos 21 anos Rocío cria a sua primeira companhia e se impõe como uma das melhores bailarinas da cena flamenca na Espanha.

Mas a jovem não se limitou a interpretar a dança tradicional da Andaluzia. Ela criou um estilo próprio, contemporâneo e revolucionário, recebendo vários prêmios como o Prêmio Nacional da Dança na Espanha, por sua audácia e originalidade.

Em 2010 ela triunfou na 10°edição do Festival de Flamenco de Nova York, onde o legendário bailarino russo Mikhail Baryshnikov foi até o seu camarim e se jogou literalmente aos seus pés para expressar sua admiração.

Flamenco de vanguarda

Há alguns anos Rocío Molina decidiu trilhar seu próprio caminho, integrando uma dramaturgia própria em sua interpretação do flamenco, considerada pelos puristas como mais próxima da dança contemporânea. Mas sua interpretação se apoia num conhecimento profundo do flamenco clássico.

Nessa linha de uma dança de vanguarda e revolucionária se destacam vários espetáculos nos últimos anos, como “Cuando las piedras vuelen” “Bosque Ardore” e o mais recente “Caída del Cielo”, uma reflexão sobre a feminilidade no qual ela pinta seu corpo e o solo com uma pasta de cor púrpura para simbolizar a menstruação.

O espetáculo Grito Pelao, que estreou no Festival de Avignon será reapresentado em setembro próximo no Palais de Chaillot em Paris, quando Rocío Molina estará grávida de sete meses. Antes disso, ela tem uma tournée programada por vários festivais europeus, mas pretende adaptar a sua dança ao ritmo do bebê que está em seu ventre.

“Eu vou me adaptando à gravidez. A medida que ela avança minha dança será mais terráquea, mais perto do solo. Depois, esse espetáculo único não existirá mais”, afirma ela. Um espetáculo certamente necessário para Rocío Molina, mas muito cativante para os espectadores.

Grito Pelao fica em cartaz no Festival de Avignon até 10 de julho.