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Tensões geopolíticas com morte de jornalista geram incertezas à economia saudita e da região

24/10/2018 23h00

Tumultuada pela morte do jornalista saudita Jamal Khashoggi, a conferência Future Investment Initiative (ou Iniciativa de Investimentos do Futuro) termina hoje, em Riade, ainda sob clima de incerteza quanto aos efeitos econômicos do episódio para a Arábia Saudita e outros países da região.

Mariana Durão, correspondente da RFI em Dubai

Na semana passada os desdobramentos do caso afetaram o mercado de ações saudita, com estrangeiros vendendo bilhões em papéis. O principal fórum de investimentos do país enfrentou o cancelamento da participação de autoridades e corporações em reação ao crime, mas seguiu com o anúncio de acordos com potencial bilionário entre empresas locais e parceiros de fora.

O caso Khashoggi pode ter repercussões econômicas para a Arábia Saudita. As circunstâncias da morte do colunista do Washington Post, crítico do governo saudita, atingiram a imagem do país e a confiança. Na semana passada, as vendas líquidas de ações por investidores estrangeiros chegaram a 4 bilhões de riais, ou US$ 1,1 bilhão (cerca de R$ 3, 7 bilhões), o maior volume desde 2015, segundo agências de notícias internacionais.

Esse movimento de curto prazo foi uma resposta à preocupação com a possível deterioração das relações de Riade com a União Europeia, o Reino Unido e, principalmente, os Estados Unidos. A longo prazo, entretanto, as consequências econômicas para o país e a região ainda são muito incertas. Os grandes investidores institucionais certamente devem acompanhar os desdobramentos antes de tomar qualquer decisão mais drástica.

Retaliação econômica

Por enquanto, a ação mais incisiva em represália à morte de Khashoggi veio da chanceler alemã, Angela Merkel, que suspendeu novas exportações de armas para a Arábia Saudita. A Alemanha pediu que outros países europeus não assinem mais contratos de venda de armamento com o reino.

O presidente da França, Emanuel Macron, disse ontem que o país não vai hesitar em aplicar sanções internacionais contra os culpados e os países do G-7 cobraram esclarecimentos, afirmando que ainda há "muitas perguntas sem resposta" no caso. Mas na prática não houve medidas concretas a não ser o cancelamento da participação de algumas autoridades no fórum de investimentos de Riade.

Já o presidente americano, Donald Trump, tem dado sinais trocados. Analistas comentando o caso têm ressaltado que ele se tornou um grande jogo geopolítico envolvendo americanos, turcos e sauditas. Ao mesmo tempo em que tem elevado o tom, dando declarações fortes como a de que a morte do jornalista no consulado do país em Istambul foi “um dos piores encobrimentos da história”, Trump já relativizou a responsabilidade do governo saudita.

O presidente americano disse claramente que não está disposto a sacrificar o contrato de US$ 110 bilhões (cerca de R$ 400 bilhões) para a venda de armas ao país do golfo. Os sauditas são donos de grandes reservas de petróleo, aliados com importância estratégica no Oriente Médio e muito ricos.

Só o fundo soberano de investimento público do país tem ativos estimados em US$ 300 bilhões (cerca de R$ 11 bilhões) , dinheiro que tem sido usado para fazer investimentos em áreas como infraestrutura e tecnologia, com o objetivo de reduzir a dependência do petróleo. Como a Arábia Saudita é o principal interlocutor dos americanos no Golfo, qualquer potencial mudança nessa relação desperta o temor de maior instabilidade na região.

Davos do deserto sinaliza vários acordos

A Future Investment Initiative, que termina nesta quinta-feira (25), é um evento de três dias e é chamado de “Davos do deserto”, em referência ao grande fórum econômico que acontece anualmente na Suíça. Nessa segunda edição, a conferência começou com diversas baixas, com o cancelamento da participação de autoridades e dos principais executivos de grandes grupos como BlackRock, Uber e Virgin em função da morte do jornalista.

Apesar disso, a gigante do petróleo local Saudi Aramco anunciou a assinatura de 15 memorandos de entendimento (MOU’s) com parceiros de oito países como a petroleira francesa Total, a Halliburton e a Hyundai Heavy Industries. Os projetos, se levados a cabo, são estimados em US$ 34 bilhões. A trading Trafigura firmou uma joint venture para construir um complexo de refino. Embora esses memorandos sejam uma espécie de carta de intenção, isso mostra que a Arábia Saudita é um parceiro de negócios que está longe de ser desprezível. Ontem o evento contou com palestrantes de alto escalão de bancos como HSBC e Moelis.

No fim do dia o Fórum também ganhou destaque porque foi palco do primeiro pronunciamento público do príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, sobre a morte de Khashoggi. MBS, como ele é conhecido, adotou um tom conciliador e prometeu cooperar com as autoridades turcas para levar os culpados à Justiça, sem entrar no mérito das declarações feitas pelo presidente turco Recep Tayyip Erdogan, que na véspera afirmou que o jornalista assassinado “de maneira selvagem”.