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"Um mal traiçoeiro consome a cultura democrática", diz Libération sobre populismo no Brasil

27/10/2018 10h55

A um dia da eleição presidencial no Brasil, a imprensa francesa não hesita em demonstrar seu desacordo com o programa e o perfil radical do candidato do PSL, Jair Bolsonaro.

"Populismo nacional: o contágio mundial" é a manchete de capa do jornal Libération, que estampa em página inteira as cores da bandeira do Brasil. O diário traz uma reportagem especial sobre a ascensão da extrema direita no mundo "no momento em que o Brasil está a ponto de eleger Jair Bolsonaro para presidente", diz o jornal. 

"Brasil, Turquia, Filipinas, Estados Unidos, Europa... as democracias veem líderes nacionalistas e populistas chegarem ao poder ou subirem perigosamente nas pesquisas", publica Libé, lembrando que "como as civilizações, as democracias também morrem". 

Libération ressalta que "um mal traiçoieiro, mais pernicioso, que vem do interior, consome a cultura democrática". Em vários países, o populismo nacional avança em "uma conquista progressiva que, em nome da nação, atinge o Estado de direito, diminui o debate público, dissolve as liberdades, constrangendo as minorias, os direitos das mulheres e aponta os estrangeiros como os grandes culpados", diz o jornal. 

"No Brasil, Bolsonaro posa de incorruptível" é o título de uma matéria da correspondente do Libération em São Paulo, Chantal Rayes. A repórter explica que o candidato do PSL se gaba por não ter se envolvido no maior escândalo de corrupção do Brasil, que atingiu principalmente o PT, mas também boa parte da classe política brasileira. 

Em entrevista ao jornal, o cientista político Paulo Baía, da UFRJ, explica que o pesselista não participou do esquema porque, mesmo tendo sido deputado durante 27 anos, "ninguém lhe dava importância". "Se eu tivesse ocupado altos cargos, eu teria certamente sido implicado na Lava Jato", afirma Baía ao Libération

Bolsonaro é comparado a Maduro 

"Até onde chegará a onda populista?", pergunta o jornal Aujourd'hui en France/Le Parisien. "Estados Unidos, Filipinas, Brasil..." enumera a matéria, questionando o que acontece com a velha e boa democracia ocidental. 

Para o diário, o autoritarismo de Bolsonaro é comparável ao do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, mas também ao do filipino Rodrigo Duterte e ao do turco Recep Tayyip Erdogan. Além disso, o candidato do PSL compartilha da mesma posição de ceticismo climático que o presidente americano, Donald Trump, aponta Aujourd'hui en France/Le Parisien.

Segundo o jornal, Jair Bolsonaro pode ser eleito graças às fake news, ao sentimento anti-PT que existe em parte do povo brasileiro, e graças às promessas radicais para resolver o problema da insegurança do Brasil, como permitir o porte de armas por todos e defender a diminuição da maioridade penal para 16 anos. Enquanto isso, no campo adversário, "teme-se que o ex-capitão da reserva, nostálgico declarado da ditadura militar, instaure um novo regime autoritário". 

Discurso da violência e da contradição

Em matéria do Le Figaro, o correspondente do jornal no Rio de Janeiro, Michel Leclercq, aborda o tom virulento do dicurso do pesselista "com afirmações de violência jamais vistas contra oponentes políticos". O jornalista destaca o discurso de Bolsonaro no último domingo (21), quando ameaçou de exílio ou prisão os partidários de Fernando Haddad. 

Le Figaro também salienta as contradições do discurso do candidato do PSL. "Ele fala com frequência do perigo comunista, mas, em 1999, elogiou Hugo Chávez como "uma esperança para a América Latina"; de nacionalista contra as privatizações, passou a ser um admirador do liberalismo; é defensor da família, mas se casou três vezes; católico, mas foi batizado nas águas do Jordão por um pastor evangélico." 

Em matéria de futebol, a contradição de Bolsonaro também é ressaltada pelo jornal Le Monde. "O candidato na liderança das pesquisas declara oficialmente que tem dois times do coração: Palmeiras e Botafogo. Uma equipe de São Paulo e outra do Rio de Janeiro, para não inspirar ciúmes. Mas ele também já foi visto com a camisa do Vasco da Gama e do Flamengo", publica. 

Apesar da indecisão do pesselista como torcedor, ele conquistou o apoio de alguns jogadores brasileiros, afirma Le Monde. Entre os admiradores declarados de Bolsonaro, estão Ronaldinho, Rivaldo e Lucas Moura, do Tottenham, que, destaca o jornal, chega a brigar sobre política com internautas no Twitter.