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Salvar vidas ou salvar a economia? COVID-19 vem alimentando esse debate em todo o mundo

06/04/2020 10h08

Salvar vidas ou salvar a economia? Em todos os países do mundo o COVID-19 vem alimentando esse debate simplista, na base do preto ou branco. Fazer as duas coisas parece óbvio. Mas a questão é: como?

Países que têm dinheiro têm mais opções dos que os pobres ou remediados. O Brasil e seus vizinhos na América do Sul se situam nessa última categoria. O que complica ainda mais a tomada de decisão. Não há soluções claras para quem não tem capacidade de fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Uma epidemia fora de controle também arrasa com a economia e a própria sociedade. E uma política só para manter os equilíbrios econômicos vigentes não vai resistir à nova organização econômica do mundo na era pós-coronavírus.

Os países do Mercosul são particularmente vulneráveis às mudanças radicais que estão sendo aceleradas pela pandemia. Todos eles são profundamente dependentes do setor do agronegócio. São as exportações de soja, carnes e cereais que seguram a produção e o consumo domésticos.

Até hoje, o argumento sedativo é que somos o celeiro do planeta e que o resto do mundo não pode prescindir da compra de nossas commodities agrícolas, particularmente as proteínas. Ledo engano. O buraco é mais em baixo. Os consumidores e produtores dos nossos principais mercados - Europa, Estados Unidos e até a China - estão mudando de ideia.

A prioridade dada pelas jovens gerações à luta contra o aquecimento climático já está repercutindo nas gôndolas dos supermercados. As pessoas criticam abertamente os produtos que vêm de longe, cujo transporte aumenta as emissões de carbono, assim como o consumo de carnes, também considerado inimigo do clima.

Os movimentos pelo bem-estar animal estão de vento em popa, inclusive apelando para ações violentas. A palavra de ordem é consumir produtos locais, se possível "orgânicos" e sem OGMs, produzidos perto dos mercados finais e que respeitem a sazonalidade.

O COVID-19 veio só acelerar essa tendência cada dia mais evidente, acrescentando um poderoso tempero: a segurança alimentar. A pandemia revelou abertamente o perigo de depender de países longínquos. Não só em matéria de alimentos mas também de cadeias de produção industrial em setores estratégicos, como equipamentos de saúde, remédios, química fina, ou materiais para redes de informação e comunicação, sem falar nos armamentos...

O diretor executivo da Danone, a multinacional francesa de produtos alimentares, declarou que chegou a hora de plantar soja na Europa para dar de comer ao gado em vez de continuar dependendo das importações. E que o consumidor local já está disposto a pagar um preço maior por isso. A "relocalização" soberana de algumas cadeias de produção consideradas estratégicas já havia começado antes do vírus.

Agora vai se acelerar junto com a produção agrícola. Sobretudo que as novas tecnologias, como a Inteligência Artificial, as impressoras 3D, a robotização conectada, a Internet das Coisas ou as "nuvens" informáticas, estão aumentando a produtividade, baixando os preços de produção e ajudando a depender muito menos de mão de obra barata.

Claro, o mercado global das commodities agrícolas não vai desaparecer do dia para a noite. Mas parece óbvio que o futuro será de crescimento fraco, estagnação e até diminuição. E o mundo inteiro, inclusive países em desenvolvimento, procurando fugir da dependência alimentar.

Mas sem as receitas dessas exportações, as economias mercosulinas tornar-se-ão insustentáveis, incapazes de manter um mercado interno viável e de importar os produtos industriais essenciais. Será outro desafio grave para o Brasil, cuja produção industrial depende muito dos mercados sul-americanos.

O dilema entre salvar vidas ou a economia não faz portanto sentido se não houver clareza sobre que tipo de economia se quer salvar. A COVID-19 já transformou o mundo. Está na hora de se adaptar, em vez de ficar sonhando com a fantasia de uma volta da bonança das commodities ou apostando que a crise sanitária vai desaparecer sozinha, como por milagre. Se ficar nisso, não serão salvas nem vidas nem a economia.