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Empresas francesas mostram solidariedade com o Brasil nesta pandemia, diz Conselheiro de Comércio Exterior da França

16/04/2020 14h41

Enquanto a população se pergunta sobre o fim do confinamento, as empresas francesas estão preocupadas com essa transição em termos econômicos. O país enfrenta uma recessão inédita causada pela epidemia de coronavírus. O Produto Interno Bruto (PIB) despencou 6% nos primeiros três meses do ano, o pior resultado trimestral desde o fim da II Guerra Mundial, em 1945, segundo projeção do Banco Central. A RFI ouviu Charles-Henry Chenut, advogado e Conselheiro de Comércio Exterior da França para a América Latina e Caribe para investigar os desafios futuros na pós-pandemia.

O Conselho de Ministros francês prevê um aumento do déficit público para 9% do PIB, um nível sem precedentes, enquanto a dívida sobe para 115% do PIB. Uma situação que extrapola as regras europeias, que limitam o déficit em 3% e a dívida em 60% do PIB. Resultado das medidas tomadas pelo governo francês em reação à crise sanitária da Covid-19, como iniciativas de crédito para diversos setores da economia, adiamento de pagamento de taxas e alocação de recursos para resguardar os assalariados.

"A França está vivendo um momento fora do comum. O presidente Macron usou uma terminologia de guerra para descrever a situação atual. Além de ser uma crise sanitária inédita e uma crise econômica profunda, que causa um choque para o povo, é um trauma para as empresas. Mas a reação do governo foi boa, rápida e eficaz", avalia Chenut.

"O governo francês alocou 100 bilhões de euros em três semanas, isso é excepcional, para impedir as empresas de fecharem. O Estado está pagando os assalariados no lugar dos empresários. A França é o único país da Europa que está fazendo isso", destaca.

Até agora, quase 600 mil empresas aderiram ao chamado desemprego parcial, uma medida excepcional em tempos de crise para evitar demissões em massa. Segundo dados oficiais, 8,7 milhões de franceses estão nesta situação, através da qual o funcionário recebe do governo 84% do seu salário.

Charles-Henry Chenut aponta ainda outras medidas essenciais. "O governo permite o adiamento dos impostos, o não pagamento de aluguéis profissionais e de gastos habituais como gás e luz para as empresas. Como consequência, as companhias hoje conseguem sobreviver sem gastar dinheiro e sem esvaziar a tesouraria", explica.

A conta vai chegar

Porém, conforme explicam analistas em finanças, chegará o momento em que as empresas terão de pagar por essas medidas tomadas pelo governo para minimizar o impacto da crise. Lojas, restaurantes e a indústria, que atualmente não têm clientes, terão que reembolsar dinheiro ao Estado. Há uma previsão de 15% de falências na França.

"O problema é o seguinte: o que as empresas não pagam hoje, elas terão de pagar no próximo vencimento. Duas vezes, talvez três vezes, sem receber, em contrapartida, um volume de negócios suficiente para assumir essas despesas", explica Chenut. "O fim do confinamento não significará, de maneira imediata, o retorno à uma situação econômica normal. Vai demorar muito tempo, é progressivo", completa.

O presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou o fim do isolamento de forma escalonada a partir de 11 de maio, iniciando com a volta às aulas para estudantes franceses. Até lá, os trabalhadores esperam mais detalhes sobre como vai ser a volta à ativa.

"O governo está planejando esse período de transição, que vai ser muito difícil. Os riscos são falências, desemprego e bancarrotas. Mais uma vez, o governo está ciente disso e vai ajudar através de um plano de guerra. Nós estamos esperando novas medidas nesse sentido. Mas o que me parece muito interessante para esse segundo passo é que as empresas, e a própria economia, vão ter que se adaptar a essa nova realidade. O antigo modelo econômico não vai sobreviver a essa crise. Vai haver um novo sistema econômico e as linhas vão mudar totalmente", acredita o Conselheiro de Comércio Exterior da França.

Aumento de impostos

Outra questão que tira o sono dos empresários franceses é um possível aumento de impostos para cobrir os gastos com a epidemia do novo coronavírus.

"É uma questão dolorosa, mas pode-se esperar aumento de impostos. Como eu disse, o governo injetou 100 bilhões de euros na economia. É muito dinheiro e o único meio de reagir é aumentar os impostos nos meses ou anos que virão. Isso tem de ser reembolsado. A questão é quando. Imediatamente após o confinamento será impossível. Daqui há um ou dois anos? É pouco provável, porque vai ser um período de campanha eleitoral para a presidência da República é não será popular falar de aumento de impostos. Depois das eleições presidenciais francesas é pouco provável também, mas esse momento vai chegar. O problema é que tem que ser numa hora oportuna para a economia e para não matar os esforços de reconstrução feitos até aqui", observa Chenut.   

Empresas francesas no Brasil

Apesar de desavenças recentes entre os presidentes Emmanuel Macron e Jair Bolsonaro, os dois países têm fortes relações comerciais. A França é um dos maiores investidores no Brasil, com investimentos diretos na ordem de 23,7 bilhões de euros, em 2018. Atualmente, existem 900 empresas francesas no Brasil, que dão emprego para cerca de 500.000 pessoas.

No momento em que a pandemia de coronavírus se espalha pela América Latina, o papel das empresas franceses na luta contra a Covid-19 tem sido essencial no Brasil. "A reação da diáspora francesa desde o início da pandemia no Brasil foi imediata. É uma prova de uma solidariedade absoluta e cooperação entre essas empresas, mas, também, em favor do povo brasileiro", afirma Charles-Henry Chenut.

"A L'Oréal, por exemplo, confeccionou álcool em gel, há também fabricação de máscaras e abertura de hotéis do grupo Accor para os médicos que trabalham perto desses locais. Houve também uma cooperação muito forte entre o Consulado de São Paulo e a prefeitura de São Paulo, sem contar as múltiplas iniciativas individuais", acrescenta.

"Eu quero felicitar essa generosidade e essa fraternidade entre nós, pois isso é uma prova dos laços muito fortes entre os nossos dois países e que vão muito além dos discursos políticos antigos dos nossos dois presidentes. A França e o Brasil têm uma história em comum, um relacionamento de coração e que vai perdurar", conclui.