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"Seja acusado de estupro e você vai se tornar ministro na França": a revolta das feministas contra dois nomes do novo governo

07/07/2020 13h21

A nomeação de um ministro acusado de estupro e de outro que se tornou célebre por defender acusados de proxenetismo, pedofilia e agressões sexuais irritou as feministas francesas. Em comunicado divulgado nesta terça-feira (7), organizações e coletivos denunciam a escolha: "não poderíamos imaginar um cenário pior".

A mudança de gabinete ministerial - que mostra uma clara guinada à direita do governo Macron - decepcionou muitos franceses. No entanto, dois nomes em particular indignaram as feministas: Eric Dupond-Moretti, novo ministro da Justiça, e Gérald Darmanin, que assumiu o Ministério do Interior.

O advogado Dupond-Moretti, de 59 anos, é conhecido na França pelo grande número de absolvições que obteve, pelo temperamento vulcânico e pelos polêmicos clientes (entre eles o irmão do terrorista Mohamed Merah, Abdelkader Merah, acusado de associação criminosa no atentado de 2012 em Toulouse, e Jean Castela, acusado de ser o cérebro do assassinato do secretário de segurança pública da Córsega Claude Erignac, em 1998). Mas também ganhou fama por suas declarações contra o movimento #MeToo e a defesa de acusados de proxenetismo, pedofilia e agressões sexuais (como o ex-secretário de Estado e prefeito da cidade de Draveil, Georges Tron, acusado de ter estuprado duas colegas de trabalho, e Roselyne Godard, acusada de abusos sexuais de menores).

O Coletivo Nacional pelos Direitos das Mulheres lembra algumas declarações do advogado durante o "caso Tron", em 2018. No processo, o atual ministro descreveu as vítimas como "incoerentes e manipuladoras", e chocou a corte ao afirmar que "aos 30 anos, elas não são mais umas dondocas incapazes de dizer não".

"A cultura do estupro alimenta sua defesa. Ele acusou vítimas de terem consentido", afirma o comunicado divulgado pelo Coletivo Nacional pelos Direitos das Mulheres. Dupond-Moretti conseguiu que Georges Tron fosse absolvido "negando a estratégia dos estupradores, os mecanismos de dominação e relações de poder", reitera o documento.

As militantes também expressam sua revolta sobre declarações que o advogado fez sobre o movimento #MeToo. "Que bom que a palavra das mulheres se libera, mas vocês estão preparando um modo de vida curioso para as gerações futuras. Senhoras e senhores jurados, se o filho de vocês tocar o joelho de uma amiga dentro de um carro, isso vai ser considerado uma agressão sexual?", questionou Dupond-Moretti. "Há homens que são predadores, talvez, mas também há mulheres que são atraídas pelo poder, que gostam disso", afirmou.

Na mídia francesa, outras declarações misóginas do novo ministro da Justiça também são relembradas. Em novembro de 2018, em entrevista à televisão francesa, Dupond-Moretti avaliou as medidas contra o assédio de rua adotadas pelo governo Macron.

"Tem uma senhora bem velhinha que eu adoro e que me disse: 'eu sinto saudades de quando assoviavam para mim'", afirmou. "É da educação de cada um, mas, no fundo, será que é dever do Estado regulamentar isso? Acho que não. O governo determina uma infração de ? 90 por um assovio. Estão completamente loucos", reiterou.

Nas redes sociais, se multiplicam críticas ao novo primeiro-ministro Jean Castex sobre a escolha de Dupond-Moretti. A militante Caroline de Haas questionou a prioridade à questão da igualdade entre mulheres e homens, uma das principais promessas do presidente francês, Emmanuel Macron. "Darmanin no Ministério do Interior. Dupond-Moretti no Ministério da Justiça. Não estou vendo a grande causa do governo", tuitou.

Um ministro acusado de estupro

"Seja acusado de estupro, e você vai se tornar ministro do Interior na França", afirma o comunicado do Coletivo Nacional pelos Direitos das Mulheres. A organização não poupa críticas a Gérald Darmanin, que deixou a pasta das Contas Públicas para assumir um dos principais ministérios do país.

A nomeação não passou despercebida na opinião pública. O novo ministro do Interior, que acaba de ser reeleito como prefeito de Tourcoing, no norte da França, é acusado de estupro, assédio sexual e abuso de poder. Tecnicamente, Darmanin está na chefia do setor responsável pelas investigações do processo, que foi relançado no início deste mês pela Corte de Apelações de Paris.

O caso data de 2009, quando Darmanin trabalhava para o serviço jurídico do então partido de direita UMP (hoje Os Republicanos). Sophie Patterson-Spatz afirma que o atual ministro teria oferecido sua ajuda em um dossiê judiciário em troca de favores sexuais.

Darmanin reconhece ter mantido relações sexuais com a mulher, mas afirma que ela foi consentida. Em 2017, ele abriu um processo de denúncia caluniosa contra a suposta vítima.

Mobilização contra as nomeações

"Vocês estão rindo da nossa cara? Realmente?", questionou a associação feminista Nous Toutes nas redes sociais. A organização, que exige a demissão dos dois ministros, convoca as francesas a protestarem contra a escolha.

Uma primeira manifestação contra as polêmicas nomeações foi realizada na tarde desta terça-feira (7) na Praça da Madeleine, centro de Paris. Vários coletivos prometem continuar a mobilização nos próximos dias.

"Se as mulheres não puderem confiança nem na polícia, nem na justiça, a sociedade lhes impõe o silêncio e as condena a suportar as violências masculinas. Essa sociedade organiza a impunidade dos agressores", conclui o comunicado do Coletivo Nacional pelos Direitos das Mulheres.

Para a senadora socialista Laurence Rossignol, a nomeação dos dois ministros é "um tapa que Emmanuel Macron dá no rosto de todas aquelas e aqueles que se mobilizaram contra as violências sexuais e sexistas". "É um grande problema porque esses dois homens não tem nenhum engajamento sobre essas questões", disse, em entrevista à FranceInfo, lembrando que elas foram anunciadas como "a grande causa do governo".

Segundo uma fonte do Palácio do Eliseu, sede do governo francês, a acusação de estupro contra Darmanin "não é um obstáculo" à sua nomeação. Ele foi promovido ao Ministério do Interior porque "aspirava mais" e "encarna a ordem republicana, uma prioridade do governo".