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Em Mianmar, jovens desafiam militares em protestos com fantasias e cartazes em inglês

Manifestantes protestam contra golpe militar em Mianmar - REUTERS/Stringer
Manifestantes protestam contra golpe militar em Mianmar Imagem: REUTERS/Stringer

Clea Broadhurst, da RFI

12/02/2021 17h19

Há uma semana as ruas de Mianmar são palco de protestos contra o golpe militar que tomou o poder no dia 1° de fevereiro e levou à prisão a lider cívil Aung San Suu Kyi. Desafiando as autoridades, que proibiram reuniões de mais de cinco pessoas, os jovens birmaneses não consideram recuar. O que está em jogo é sua liberdade.

A estratégia é chamar atenção da comunidade internacional. Para isso, cartazes em inglês, fantasias e o símbolo retirado do blockbuster norte-americano "Jogos Vorazes" com três dedos levantados que dizem claramente a um mundo globalizado que eles vão resistir.

Aos 23 anos, o estudante Lucas tem se manifestado todos os dias, o que não significa que ele não tenha medo. "Eles podem vir à nossa casa à noite para nos prender, e nós estamos tão assustados, com medo de ser preso ou pior", diz. Ele lembra do caso da jovem Mya Thwate Thwate Khaing, de 19 anos, ferida com um tiro na cabeça durante uma manifestação na capital de Mianmar, Naypyitaw. "Poderia ser qualquer um, poderia ser eu, poderia ser meu amigo", comenta.

Apesar do medo, como muitos birmaneses, Lucas faz questão de se manifestar contra o golpe do exército e o regime que os militares querem estabelecer.

"Não é isso que queremos", disse ele. "Não queremos viver com medo. É uma questão de vida ou morte. Se perdermos, viveremos sob um novo regime militar, viveremos com medo e não teremos futuro. Se vencermos, nos livraremos dos militares de uma vez por todas e teremos um futuro melhor."

Geração conectada busca atenção mundial

Um futuro melhor é uma das razões pelas quais os jovens estão tomando as ruas do país. E, para ter certeza de serem vistos e virarem assunto nas redes sociais, eles não hesitam em vestir vestidos de princesa e fantasias de Homem-Aranha. É uma geração conectada à internet.

"Vimos isto em manifestações na Tailândia e Hong Kong para chamar a atenção da mídia internacional", diz Tom, um estudante de 21 anos. "Para a geração jovem conectada ao mundo, este gesto de três dedos é um símbolo de resistência contra o golpe militar", explica.

Estes jovens demonstram grande criatividade a cada protesto, especialmente com gestos espirituosos.

"É bem conhecido que os protestos tradicionais recebem menos atenção", explica o autor de histórias em quadrinhos Frédéric Debomy. "Quando você vê um casal com uma mulher de vestido de noiva exibindo uma placa na frente de seu vestido branco: 'Nosso casamento pode esperar, mas não a democracia', coisas como essa chamam a atenção e são muito retransmitidas na web."

Inspirados nos filmes norte-americanos, como os da franquia Marvel, estes são jovens que cresceram em Mianmar em uma época em que o acesso à cultura, especialmente à cultura ocidental, era permitido, assim como às redes sociais.

"Há um desejo real de mostrar que eles fazem parte de uma cultura globalizada", avalia Chloé Baills, estudante de doutorado em sociologia política em Paris. "Eles se recusam a voltar a uma idade escura da ditadura fechada do resto do mundo, como foi o caso do país no passado."

Frédéric Debomy assegura que "existe uma consciência de que o mundo está observando e que o mundo deve continuar observando", já que tudo está escrito em grande parte em inglês. "Há uma inventividade muito marcante no lado da cultura pop, que é muito inteligente", considera o escritor e roteirista.

Sede de liberdade

Inteligente, ousada e "impertinente", diz a antropóloga e professora pesquisadora Alexandra de Mersan. "Estas são pessoas que cresceram, que se construíram como adultos em um país onde tiveram a oportunidade de se expressar sem medo. Eles são menos obedientes e são provocadores."

Para a pesquisadora, as referências são mais numerosas em comparação com as gerações anteriores que não se beneficiaram de tal abertura para o mundo. "Este movimento de desobediência civil —não há expressão em birmanês para 'desobediência civil' — eles estão inventando, eles eles foram alimentados com informações de outros lugares. E eles têm referências que vão além de Mianmar. Esta ideia de desobediência civil é nova."

Entretanto, o medo da repressão violenta é onipresente. É por isso que "eles mudam sua estratégia à medida que o movimento avança", de acordo com Chloé Baills. Eles invadem o espaço público sentados no chão, vestidos, sentados em sofás, ou em piscinas infláveis no chão.

"Eles organizam piqueniques nos parques, fazendo sinais anti-golpe, anti-ditadura. É outra forma de ocupar o espaço público. É bastante interessante e bastante criativo, e faz parte de um desejo de continuar a se manifestar, de uma forma diferente e evitando ser alvo de violência por parte dos militares."

A raiva é palpável nos jovens. Sua necessidade de liberdade e acima de tudo de democracia lhes dá a força para continuar seu protesto.

"Tenho um pouco de medo, mas acho que é nosso dever. É o momento de dar tudo o que temos. Porque se não formos para as ruas, eles nunca deixarão o poder", conclui Lucas.