Topo

Brasil busca "Biden brasileiro", mas resiste a elevar impostos dos ricos, como faz o democrata

12/05/2021 11h57

A rejeição tanto de Jair Bolsonaro, quanto de Luiz Inácio Lula da Silva, leva os centristas no Brasil a buscarem um terceiro nome para as eleições presidenciais de 2022 - um candidato ainda hipotético, mas que já tem apelido, o "Biden brasileiro". A política econômica do líder americano, no entanto, inclui propostas que teriam tudo para enfrentar forte resistência das elites econômicas no Brasil, como a taxação dos lucros do capital.

Biden sugere equilibrar o imposto sobre o ganhos de capitais à tabela de imposto de renda, cuja alíquota máxima passaria a ser de 39,6%. Isso significaria dobrar a atual taxa financeira, em uma medida que atingiria apenas os 0,3% de investidores mais ricos do país, com renda superior a US$ 1 milhão. A arrecadação seria direcionada para ampliar a assistência social e educação no país - uma verdadeira quebra de paradigma.

"O fato de o debate sobre desigualdades estar ocorrendo, sobretudo com tributação no topo da pirâmide, é muito importante para a discussão de como faremos para financiar programas sociais em meio à globalização, ao crescimento das desigualdades etc. Os Estados Unidos são o grande país a poder implementar uma política dessas e dar certo, porque ninguém tem a capacidade institucional, organizacional que eles têm", analisa o economista Gedeão Locks, pesquisador no tema. "De alguma maneira, é um grande laboratório que vai acontecer lá. Tomara que dê certo e outros países possam seguir este caminho, porque tudo que acontece nos Estados Unidos acaba influenciando boa parte do mundo."

Reações dos mercados

O mero anúncio da reforma tributária de Biden levou as bolsas americanas a desabarem, em abril, numa amostra da resistência dos mercados à hipótese de mais taxação. Gedeão Locks, doutorando na Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne), ressalta que a potente  economia americana é mais resistente às reações imprevisíveis dos mercados financeiros. No entanto, países vulneráveis a ataques especulativos, como o Brasil, poderiam sofrer um duro impacto se apresentassem uma proposta semelhante sem antes amarrar o consenso sobre as mudanças.

"Eu acho que essa é uma pauta que vai ser difícil para qualquer governo, até porque reforma tributária, cada um tem a sua. Todo mundo é a favor de tributar o outro, mas ninguém quer tributar mais a si mesmo. Ou seja, ela é delicada por natureza, e se não houver um grande projeto, um grande empenho do governo em fazê-la, pode esquecer que o Congresso Nacional, sozinho, não fará", aposta o pesquisador.

O Brasil é considerado um paraíso para os ultrarricos. Os lucros e dividendos são isentos de tributação, num caso raro no mundo e que nem os presidentes de esquerda Lula e Dilma Rousseff conseguiram reverter. Apenas os ganhos de capital superiores a R$ 20 mil são alvo do fisco, a uma alíquota de 15% - inferior à taxa americana, de 20%.

Transpondo a reforma de Biden, significa que, se uma proposta idêntica fosse apresentada no Brasil, a mordida do imposto passaria para 27,5%, igual à faixa mais elevada do imposto de renda no país. No ano passado, entretanto, o governo Bolsonaro chegou a cogitar extinguir essa última alíquota, que está entre as mais baixas das grandes economias.

"Quando uma proposta for apresentada, tem de ser dentro de um pacote de medidas de corte de gastos em outras áreas. Tentar aumentar a carga tributária no Brasil hoje sem oferecer uma reação credível de que vamos fazer um esforço para enfrentar as grandes corporações que estão no Congresso Nacional, é ter pouco espaço para isso acontecer e os mercados reagiriam de uma maneira complicada", antecipa Locks. "Ao invés de ajudar os pobres, acabaríamos prejudicando, com fuga de capitais, alta de câmbio, inflação etc."

Auxílio emergencial mostrou preço da erradicação da pobreza

Além da questão tributária, as medidas expansionistas e distributivas de Biden também causam frissons nos adeptos do rigor orçamentário, à imagem do atual ministro brasileiro da Economia, Paulo Guedes. Nos primeiros dias de governo, o presidente democrata anunciou um pacote de US$ 1,9 trilhão para recuperar a economia da pandemia, incluindo US$ 160 milhões concedidos diretamente aos americanos mais fragilizados pela crise.

No Brasil, o sucesso do auxílio emergencial de R$ 600 para sustentar a economia nesse período inédito de contração foi uma amostra de qual seria o preço para acabar com a miséria no país, observa o pesquisador da Panthéon-Sorbonne. "Tem estudos que mostram que a pobreza extrema foi praticamente erradicada durante três ou quatro meses no Brasil, durante a pandemia, graças aos R$ 600. Acho que isso, sim, motivou a entrada na pauta de vermos quanto vai custar para erradicar a pobreza extrema no Brasil. Foi algo que o auxílio emergencial mostrou", destaca.

"Fala-se em um novo consenso de Washington, abordado pelo FMI, com indução da economia pelo Estado, uma rede de proteção social mais forte etc. Acho que isso estará na agenda dos próximos governos, tanto nos Estados Unidos, como no Brasil, e acho que vai influenciar o debate público de vez", avalia o economista.