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Bolsonaristas e petistas correm atrás de voto decisivo dos evangélicos para eleições de 2022

15/07/2021 05h16

A queda do apoio ao presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, acirra a disputa com o PT por voto de fiéis. Analistas ressaltam que os grupos religiosos são diversificados, mas que pastores têm mais influência política que padres católicos.

Raquel Miura, correspodente da RFI em Brasília

Ainda faltam 15 meses para as próximas eleições presidenciais no Brasil, com inúmeros desafios no caminho, da pandemia de Covid-19 à crise econômica, passando pela instabilidade política do atual governo e a própria saúde do presidente - hospitalizado na quarta-feira (14) devido a uma obstrução intestinal. Mas direita e esquerda já calibram desde já seus discursos, de olho num eleitorado que a cada quatro anos tem tido peso mais decisivo no pleito: os evangélicos. Pelo último censo, de onze anos atrás, 42 milhões de pessoas pertenciam a esse grupo religioso, cuja prevalência na população cresce a passos largos, com projeção de igualar ou superar os católicos nos anos de 2030.

Os analistas são unânimes em dizer que não se trata de uma massa homogênea e única, mas de inúmeros agrupamentos, com ramificações diversas, reunindo pessoas de importância e pensamentos variados. A pesquisa Datafolha divulgada este mês jogou lenha na fogueira da briga pelo voto evangélico ao apontar empate técnico entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula nesse segmento, com o primeiro aparecendo com 38% das intenções de voto e o petista, 37%. Ao mesmo tempo em que fiéis oram por Bolsonaro na porta do Palácio do Planalto, também se vê a participação de jovens evangélicos em protestos que pedem o impeachment do presidente.

Peso do eleitorado evangélico

"Todos os candidatos, os players que disputarão as eleições no ano que vem, sabem claramente o peso do eleitorado evangélico. É um eleitorado muito fidelizado às igrejas e a seus líderes religiosos. É um eleitorado substantivo, principalmente tendo em vista uma imensa transição religiosa que acontece no Brasil nas últimas quatro décadas. E é um eleitorado certamente definidor, entre outras variáveis, daqueles que serão os candidatos mais competitivos. Por isso seja da direita, ou mesmo extrema direta, seja da ala mais progressista, da esquerda, todos os candidatos vão levar isso em conta", afirmou à RFI o cientista político Robson Sávio, doutor em Ciências Sociais e professor da UFMG.

Sávio avalia que o brasileiro, em geral, tende a considerar aspectos relacionados à religião na hora do voto, ainda mais em momentos de crise: "Diante da pressão, da angústia, da insegurança, o elemento religioso tem um peso importante no brasileiro, inclusive na política".

A indicação de André Mendonça, atual advogado geral da União, para substituir Marco Aurélio no Supremo Tribunal Federal, foi interpretada como clara tentativa de Bolsonaro de marcar pontos com o eleitorado evangélico. Ainda que o termo tenha mais ligação às igrejas pentecostais e neopentecostais, o pastor presbiteriano e advogado André Mendonça encarnou o "terrivelmente evangélico" prometido pelo presidente para defender os ideais cristãos na Suprema Corte.

Grande influência de pastores

Ao mesmo tempo em que frisam a diversidade entre os evangélicos, os analistas ressaltam que há características que permeiam boa parte dos que se abrigam sob essa denominação, com atenção à chamada pauta de costume e, diferentemente dos católicos, uma influência maior dos pastores nas questões políticas, como no voto de seus seguidores.

"O que eu tenho observado é que nos evangélicos há mais observação ao que o pastor fala, ao o que o bispo fala, do que entre os eleitores católicos, que não dão bola para o que o padre ou o bispo recomendam em relação ao voto. As pesquisas do Datafolha em geral mostram que os evangélicos apoiam Bolsonaro menos do que apoiavam no ano passado", disse à RFI o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB).

No entanto, ele lembra que o grupo evangélico é muito diversificado. "Tem muitas segmentações. E cada grupo tem suas ideias e suas posições. Então é muito difícil colocar tudo isso junto e falar em evangélicos como um segmento unificado", reitera. 

Pragmatismo religioso

Outro ponto destacado pelos especialistas é que os líderes evangélicos, principalmente os que têm na política uma veia importante de sua igreja, são pragmáticos, o que acirra ainda mais o embate entre direita e esquerda pelo apoio cristão nas urnas. "Veja que muitos desses grupos que estão com Bolsonaro já estiveram com outros governos. A Assembleia de Deus, uma das mais importantes, por exemplo, apoia o atual governo, mas já apoiou o PT. E existe um racha entre os líderes dessa agremiação hoje, com um grupo querendo se descolar do bolsonarismo", afirma o professor da UFMG.

"Certamente o presidente Bolsonaro ainda tem o apoio de boa parcela do eleitorado evangélico. É preciso dizer que o eleitorado evangélico é bastante amplo, mas principalmente aquele eleitorado relacionado às grandes igrejas evangélicas, as chamadas igrejas midiáticas, que têm grande participação principalmente na mídia eletrônica. Essas igrejas, sim, ainda são muito formadoras de uma mentalidade conservadora, ligada à família tradicional cristã, ligada aos costumes e ao liberalismo econômico, muito atrativas para amplos segmentos evangélicos. E são esses segmentos que são apoiadores do presidente Bolsonaro desde sua campanha eleitoral, e ainda continuam sendo durante esse período".

No entanto, o professor Robson Sávio ressalta que há um movimento em curso e que não há como saber como isso estará até as eleições. "É importante observar que há elementos muito claros de um certo descolamento de grupos evangélicos em relação a Bolsonaro e ao bolsonarismo, principalmente em um momento em que há uma série de denúncias que têm aparecido com constância na mídia, principalmente ligadas a um tema muito caro aos cristãos evangélicos que é o tema da corrupção. É importante observar esse movimento nos próximos meses."

Decepção com casos de corrupção

No começo do governo, declarações do presidente em prol do armamento dos brasileiros já incomodavam alguns evangélicos. O ambiente em nada melhorou com a crise política que tirou do governo nomes como o do ministro Sérgio Moro.

A lista de condutas que ajudaram o presidente a perder apoio dos eleitores, não apenas evangélicos, inclui acusações de corrupção, como as rachadinhas, e se avolumou na pandemia com tudo o que ele fez e deixou de fazer no enfrentamento ao coronavírus, do deboche à demora na compra de vacinas, supostamente motivada pela tentativa de desviar recursos.

"O aparecimento de corrupção praticada em vários setores do governo Bolsonaro, e a questão das vacinas, tudo isso decepcionou muitos evangélicos. Isso é uma das razões da queda de apoio deles a Bolsonaro", analisou Fleischer, da UnB. Para o cientista político, na ponta, muitos ouvem os pastores, mas pesa também a realidade econômica, o dia a dia na labuta pela sobrevivência. "Evangélicos, como brasileiros em geral, vão analisar se a vida deles melhorou na hora do voto", sublinha.

Evangélicos bolsonaristas, evangélicos lulistas

A aposentada Tereza Gomes sente que o clima mudou entre os amigos da igreja quando o assunto é política. "Ainda tem os apaixonados pelo Bolsonaro, mas hoje eu digo que voto no Lula e não tem mais aquela pressão, aquela crítica. Tem muita gente já vendo que o Lula foi bem melhor para as pessoas. Vai dar Lula no primeiro turno. Ninguém acredita mais nesse Bolsonaro. Ele errou feio na pandemia, nas vacinas, na corrupção", afirma.

Já a empresária Cíntia Azevedo está convencida de que Bolsonaro não ocupa a principal cadeira política do país graças apenas ao voto dos eleitores. "Ele foi um escolhido por Deus. Só vejo nas redes sociais várias revelações, testemunhos de pessoas quanto a isso. E a esquerda é uma aberração aos olhos de Deus. E essa conversa de corrupção não existe, não tem corrupção, isso acabou no governo Bolsonaro. Por isso, os adversários estão nervosos", defende.

Teresa e Cíntia são amigas, professam a mesma fé, mas disseram à RFI que se comprometeram a não falar de política para preservar a amizade e mesmo a integridade física de ambas, tamanha convicção de cada uma. Entre elas, está Ricardo Almeida, dono de uma banca de cachorro quente. Ele votou em Bolsonaro, mas se decepcionou muito e diz que não dará o voto de novo ao militar. Porém também não está disposto a votar no PT.

"Bolsonaro nunca mais. Ele não tem preparo algum. A questão das vacinas mostrou isso e foi muito grave. Mas eu também não gostaria de votar no PT, pelas coisas que eles fizeram. Se der Lula e Bolsonaro, acho que vou anular", declara o microempreendedor.