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Revolta contra ataques de 11 de setembro acentuaram radicalização interna nos EUA

Edifício World Trade Center em chamas no ataque de 11 de setembro de 2001 em Nova York - Jeff Christensen/Reuters
Edifício World Trade Center em chamas no ataque de 11 de setembro de 2001 em Nova York Imagem: Jeff Christensen/Reuters

10/09/2021 09h38

Vinte anos depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, o correspondente da revista L'Obs em Nova York, Philippe Boulet-Gercourt, recorda o que viu e sentiu naquele dia, e as transformações que os ataques provocaram na sociedade americana daquele momento em diante.

O jornalista costumava estacionar sua Vespa ao lado da torre sul do World Trade Center quando ia para o escritório da revista na região, mas excepcionalmente não tinha previsto trabalhar no local naquela terça-feira porque tinha um voo para Montréal, onde faria uma reportagem. Quando o primeiro avião com terroristas atingiu a torre norte às 8h46, ele fez meia-volta e foi para a área, onde presenciou toda a tragédia.

"Vivenciei tudo aquilo", conta o francês, que também possui a cidadania americana. "Os queimados chegando em massa ao hospital Saint Vincent's, os cartazes nos abrigos de ônibus e pedestres em busca de desaparecidos, o cheiro de cadáveres perto do escritório da Nouvel Obs até uma semana depois do desabamento das Torres Gêmeas."

Philippe Boulet-Gercourt também cita lembranças pessoais. "Minha filha tinha 2 anos e meio na época, como ela poderia ter entendido o que estava acontecendo? Mesmo assim, no Natal de 2001, ela caiu em prantos diante de um livro com fotos de bombeiros."

Por mais que o 11 de setembro tenha revirado o planeta, grande parte da revolta que o ataque desencadeou impactou exclusivamente os Estados Unidos, na opinião do jornalista. "Lembro-me daquela maré de bandeiras americanas nos carros, nas varandas das casas de campo dos meus vizinhos, a duas horas e meia de Nova York. E me lembro de ter ficado preocupado, como francês, diante dessa unanimidade belicosa."

Um ano depois do 11 de setembro, uma pesquisa do Pew Research Center indicou que os ataques haviam "deixado uma marca duradoura e talvez indelével na vida dos americanos, bem como nas políticas que seriam adotadas dali para frente", recorda Boulet-Gercourt.

Na época, a revolta no país era palpável, mas ela ainda não se direcionava aos americanos, observa o francês. "Hoje, a bandeira no jardim do meu vizinho não é mais a dos Estados Unidos. É uma bandeira azul com o slogan 'Trump 2024 - Salve novamente a América', e outra com a inscrição 'Fuck Biden'".

Solidez do país já estava ameaçada

O autor do texto se questiona sobre a continuidade entre esses dois momentos de revolta, com um pequeno intervalo de esperança durante os governos de Barack Obama. Sua avaliação é que antes dos atentados de 11 de setembro, da invasão do Afeganistão e depois do Iraque, a solidez dos Estados Unidos já estava ameaçada pelas desigualdades internas e a questão racial, mais do que pelos combates que o país travava no exterior.

Segundo Boulet-Gercourt, os americanos viram o país durante muito tempo como um império incontestável. Daí o choque pós-Afeganistão. Mas para ele, depois de passar todo esse tempo presenciando os movimentos da sociedade, deu para perceber que algo estava errado muito antes dos atentados. "Americano vive no fio da navalha. Isso é ainda mais verdadeiro 20 anos depois", observa.

"As divisões internas nos Estados Unidos estão se calcificando entre vencedores e perdedores da globalização e da aceleração tecnológica. O país se tornou um gigante encolhido no cenário internacional, defensivo em sua agressividade, muito ocupado com seus ódios internos", escreve.

Radicalização dos brancos

O jornalista francês considera a radicalização dos brancos conservadores como um fenômeno "bem real, com ou sem Trump".

"A América branca compreendeu perfeitamente a ameaça aterradora representada pela perspectiva de uma verdadeira democracia multiétnica e, para ela, todos os golpes são autorizados, como o visto com o ataque de 6 de janeiro ao Capitólio. O francês que eu sou vê e entende que, no exterior, todos estão interessados nas relações dos Estados Unidos com o mundo, com as mudanças que a derrota no Afeganistão traz ao seu papel de xerife do planeta. Mas o americano que me tornei parcialmente olha para Washington, o Capitólio e a Casa Branca, em direção ao Texas, aos estados vermelhos, todos esses lugares onde um confronto incrível está acontecendo."

Boulet-Gercourt considera que a política americana se desloca cada vez mais na direção de um "viés autoritário". "Os Estados Unidos estão minados por seus bloqueios e suas divisões, estão enfraquecidos e já não fazem tanto sonhar", constata o repórter. "O país não tem mais o peso de antigamente no cenário internacional", conclui sem sombra de dúvida.