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Democracia em jogo: Polônia e Hungria acirram guerra aberta com Bruxelas

12/10/2021 04h46

Questões políticas envolvendo a independência do Judiciário polonês, e consequentemente, a manutenção da democracia e Estado de Direito na Polônia e Hungria continuam agravando a crise com a União Europeia. Esta semana, os dois países acirraram ainda mais a batalha diante do Tribunal de Justiça do bloco. Já se fala em Polexit, a saída da Polônia da UE. Mas em que medida o futuro do bloco europeu está ameaçado?

Letícia Fonseca-Sourander, correspondente da RFI em Bruxelas

Em audiência diante o Tribunal de Justiça da UE, Polônia e Hungria contestaram nesta segunda-feira (11) o mecanismo que condiciona os pagamentos dos fundos comunitários ao cumprimento do Estado de Direito.

Ambos países têm sido acusados por Bruxelas de violarem os valores fundamentais do bloco. Budapeste adotou, em julho passado, uma controversa lei anti-LGBTQ. Na época, dezessete líderes do bloco enviaram uma carta ao primeiro-ministro húngaro, o ultranacionalista Viktor Orbán, afirmando que "ódio, intolerância e discriminação não têm espaço na nossa União".

Já na Polônia, a independência do Judiciário é a maior preocupação de Bruxelas. Varsóvia criou um painel para disciplinar juízes com cortes de salários e demissões, que tem sido considerado um método de pressão política incompatível com as leis europeias.

Pela primeira vez, a Comissão Europeia poderá utilizar esse mecanismo que foi criado em dezembro do ano passado. Em 2019, os pagamentos da União Europeia representaram cerca de 3,3% do PIB da Polônia e 4,48% da Hungria.

Em rota de colisão com Bruxelas

O Tribunal Constitucional da Polônia, controlado pelo partido ultranacionalista Lei e Justiça (PiS), determinou que vários artigos dos tratados da União Europeia são inconstitucionais no país. Em resumo, que a Constituição polonesa teria primazia sobre algumas leis do bloco. A decisão, anunciada na quinta-feira passada, aprofunda ainda mais a crise entre o governo de Varsóvia e Bruxelas.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, advertiu que usará "todos os poderes" para que a Polônia aplique as regras comunitárias. O tribunal polonês afirmou que a adesão do país ao bloco europeu e a assinatura dos tratados não significa dar aos tribunais da União Europeia autoridade jurídica suprema. A oposição teme que a sentença possa resultar na saída da Polônia do bloco europeu, já apelidada de "Polexit".

Milhares nas ruas em protestos pró-UE

Carregando bandeiras da Polônia e da União Europeia e aos gritos de "Nós vamos ficar", milhares de pessoas protestaram contra a decisão do Tribunal Constitucional polonês nas principais cidades do país, no último domingo. Segundo organizadores, as manifestações aconteceram em 100 cidades e municípios poloneses e levaram às ruas da capital Varsóvia cerca de 100 mil pessoas.

O medo de que os planos para um Polexit se concretize tem gerado um clima de apreensão, apesar do alto apoio da população à União Europeia. De acordo com pesquisas recentes, 80% dos poloneses afirmam ser favoráveis à permanência no bloco, principalmente em grandes cidades como Varsóvia, Cracóvia e Lodz. Entretanto, a força do partido governista ultraconservador Lei e Justiça (PiS) é real e está nas áreas rurais, no interior da Polônia, e principalmente no leste do país. O euroceticismo que esse partido representa está bastante atrelado à ideia de soberania, identidade nacional e valores familiares tradicionais, e dessa forma, o governo consegue manter a fidelidade de seu eleitorado.

Polexit seria mais prejudicial à Polônia do que ao bloco europeu

Foi o ex-presidente do Conselho Europeu e agora líder do Plataforma Cívica, principal partido da oposição polonesa, Donald Tusk, que convocou as manifestações para expressar o sentimento pró-UE da população. "A operação para conduzir a saída da Polônia do bloco europeu planejada por Jaroslaw Kaczynski começou a pleno vapor. Se ficarmos passivos, nada o irá deter", afirma Tusk.

O fato de que a integração da Polônia à União Europeia em 2004 tenha sido uma das mais bem sucedidas do antigo bloco soviético é atribuída em parte a Donald Tusk, que foi primeiro-ministro polonês a partir de 2007. Já Kaczynski é o político mais poderoso do país e líder do partido governista Lei e Justiça (PiS). 

Após a decisão do Tribunal Constitucional da Polônia de que algumas leis da União Europeia são incompatíveis com a Constituição polonesa, Kaczynski declarou que não haverá Polexit. No entanto, o todo poderoso político avisou à Bruxelas que a Polônia deseja permanecer um país soberano. A política adotada por Varsóvia parece ser mais de confrontação em favor de uma reforma radical do bloco do que uma saída unilateral. Os dois lados sabem que um eventual Polexit prejudicaria muito mais a Polônia do que a própria União Europeia. Kaczynski se esforça para manter as estruturas econômicas do bloco, que colaboram para o desenvolvimento da economia polonesa, mas ao mesmo tempo quer recuperar a independência política do país.