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Exilado em Paris, Anderson França fala sobre ameaças de morte em Portugal

18/08/2022 10h26

Depois de ter morado quatro anos em Portugal, por ter sido alvo de perseguições políticas no Brasil, o escritor, roteirista e jornalista Anderson França, autor do romance "Rio em Shamas", que foi indicado ao prêmio Jabuti em 2017, está em Paris. Ele pediu asilo no país após sofrer ameaças de morte em Lisboa.

Anderson França afirma que a perseguição sofrida em Portugal aconteceu por conta de seu trabalho como jornalista, já que o veículo criado por ele, a "Coluna de Terça", começou a ser muito lido pela comunidade brasileira em Portugal.

"Quando começamos a abordar assuntos como xenofobia e racismo contra brasileiros e outros grupos, a própria extrema direita de Portugal, articulada com a extrema direita brasileira, passou também a promover ameaças. Eu e a jornalista Cíntia Rocha abordamos temas como violência infantil nas escolas de Portugal, sobretudo contra crianças brasileiras, o bullying que as crianças brasileiras sofrem, a xenofobia contra brasileiros, o racismo e o enorme assédio contra mulheres brasileiras", diz.

"Abordávamos esses temas e, por causa disso, fomos ameaçados. As ameaças chegaram a um ponto que tivemos de mobilizar a polícia e Ministério Público", relata.

França conta que, durante um evento antirracista em que faziam a cobertura, a jornalista Cíntia Rocha recebeu uma ligação dizendo que sabiam onde ela estava e que iam matá-la.

Pedido de asilo na França foi aceito em tempo recorde

"A primeira coisa que fizemos foi tentar protegê-la. Fechamos a redação e ela se encontra até agora com proteção, ainda em Portugal, mas já cogitamos tirá-la de lá. O Ministério Público também viu as ameaças que ela recebeu e reconheceu que aquilo é muito grave. Até então, em Portugal, não havia sido registrado algo tão grave contra jornalistas, e sobretudo jornalistas internacionais, como o que aconteceu com a gente.", explica.

Em viagem à França, o jornalista foi recomendado por sua advogada a pedir o asilo e não retornou mais a Portugal. Ele acredita que o fato de ser jornalista, pessoa pública e devido ao alcance de suas reportagens no Brasil, a França teria entendido, na sua opinião, que há algo acontecendo na América Latina e na Europa.

"Temos lutado, como comunicadores, para alertar a sociedade, e sobretudo o que acontece na nossa vida já é um testemunho de que alguma coisa tem acontecido e que a sociedade precisa refletir sobre os rumos políticos que a gente tem tomado", destaca, sobre o crescimento da extrema direita no Brasil e em Portugal.

Ameaças após assassinato de Dom Philips e Bruno Pereira na Amazônia

Anderson França explica que foi identificada uma milícia digital de extrema direita em Portugal que teria ligações com a brasileira. O grupo faz ameaças e tenta interromper o trabalho de jornalistas e ativistas.

"Essa milícia trabalha com o medo, com a ameaça e com a pesquisa do ameaçado para jogar nele mais terror e tirar sua liberdade. Dom Philips era meu amigo desde 2017, e conversávamos muito por causa do contexto de favelas, que era a minha pauta naquele momento. Ficamos amigos e, quando vim para Portugal, ele fez uma entrevista comigo e com o Jean Wyllys e foi o primeiro jornalista europeu a dizer que nós éramos exilados do governo Bolsonaro. Foi ele quem disse isso e a gente nem se via dessa forma", afirma.

"Com o assassinato dele na Amazônia, esses grupos usaram esse fato para, de maneira covarde, ameaçar a mim e à Cíntia dizendo: 'esses dois lixos morreram no Brasil e a gente vai fazer com vocês o que nós fizemos com eles'. É como se houvesse um vulto antidemocrático crescendo no mundo, com braços em diversos países, e cujo foco é desafiar a democracia, matar jornalista, matar defensor de direitos humanos ou do meio ambiente."

"Quem está do lado de cá, se colocando para milhões de pessoas e formando opinião todo dia, sabe que existe esse tipo de força. E, quando você recebe no teu celular, no meio da madrugada, uma ameaça de morte, você percebe que está muito mais fragilizado do que parece", disse, informando ainda que a jornalista Cíntia Rocha passou a enfrentar problemas psicológicos após as ameaças.

Primeiras impressões de Paris

Há apenas um mês na França, o jornalista começa a ter suas primeiras impressões de Paris. Na opinião dele, a capital francesa permite refletir sobre as contradições existentes na sociedade.

"Na torre Eiffel tem turistas do mundo todo e andando um pouco você vê árabes, pessoas sem documentos, pessoas trabalhando na rua, vendendo comida, vendendo miniatura da torre. Isso, para a gente que vem do Brasil, diz muito sobre contraste, sobre fenômenos de ascensão e luta social e econômica. Então, eu me sinto muito em casa aqui, porque há muita mistura de problemas, mas também mistura de pessoas", relata.

"É uma grande cidade que me dá vontade de voltar a escrever, de entender seus problemas sociais, sua cultura. Tem uma cena de rap e de hip hop fantástica aqui na França. Para mim, está sendo um primeiro momento muito gratificante, muito efervescente, não exatamente pelos pontos turísticos, mas principalmente pelas questões sociais que existem", explica.

"A gente sempre tem a ideia de que na Europa todo mundo tem muito dinheiro. Aquela visão idealizada, romantizada, quando, na realidade, tem um monte de dificuldades e desigualdades. Eu tenho gostado muito da leitura que eu tenho feito de Paris e até agora da França", completa.