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Serena Williams: a despedida de uma gigante do tênis mundial, entre engajamento e estrelato

28/08/2022 11h49

Serena Williams impôs uma revolução no tênis feminino durante seus 20 anos de reinado, quase nunca contestado, mesmo que lhe falte um título para igualar o recorde de 24 vitórias de Margaret Court no Grand Slam. A norte-americana "transformou o tênis", "abriu as portas", "inventou a intimidação" e "remodelou a relação do esporte com os negócios", disse seu ex-técnico Patrick Mouratoglou, em setembro de 2021, ao explicar como sua eterna campeã se tornou a maior jogadora da história.

Desde que ganhou sua primeira raquete logo após seu quarto aniversário, somente sua irmã Vênus conseguiu, às vezes, desafiar sua superioridade, durante sua infância no gueto negro de Compton, em Los Angeles: Serena era 15 meses mais jovem, e menos atraente do que sua irmã mais velha.

Mas o pai delas, Richard, nunca se enganou quanto ao talento da duplinha. Quando um técnico lhe garantiu que ele havia "a próxima Michael Jordan" com Vênus, então com 10 anos, ele respondeu: "Não, eu tenho as duas próximas."

O antigo gerente de uma empresa de serviços de babá tem sido a figura-chave na carreira das irmãs Williams, moldando-as desde muito cedo, após aprender sobre treinamento por meio de livros e vídeos. Sua história foi contada em um filme de sucesso de bilheteria, de 2021, estrelado por Will Smith no papel do pai das jogadoras.

Descobertas precocemente - o The New York Times já falava delas antes mesmo de chegarem aos 10 anos de idade -, as irmãs Williams chegaram ao circuito do tênis pela primeira vez como uma dupla.

Foi Serena quem ganhou o primeiro título de Grand Slam da família, no Aberto dos EUA em 1999, pouco antes de seu 18º aniversário. Em 2002, Vênus tornou-se a número 1 do mundo, pouco antes de sua irmã. Do Open da França de 2002 ao Open da Austrália de 2003, quatro torneios consecutivos do Grand Slam terminaram na mesma partida: Williams contra Williams, algo inédito no tênis mundial.

Contratos multimilionários

O dinheiro também fluiu rapidamente. Os fabricantes de equipamentos esportivos assinaram com as duas irmãs contratos multimilionários durante suas pré-adolescências, virando a vida da família de nove pessoas de cabeça para baixo, já que os pais tinham outros cinco filhos de casamentos anteriores.

Em seguida, os caminhos das irmãs divergiram. Enquanto Vênus se especializou na quadra de Wimbledon, onde ganhou cinco vezes, Serena estendeu seu domínio a todas as superfícies com uma tática simples: usar seu poder incomparável para acertar a bola o mais cedo e com mais força possível, e ganhar por nocaute. Não se tratava de se deixar arrastar por longas disputas onde seus quilos de músculo acabariam sendo pesados para serem carregados. A ideia sempre foi vencer rapidamente.

Suas armas? O saque, às vezes chegando a mais de 200 km/h, e o forehand. A confiança também. Serena sabe que quando joga seu melhor tênis, (quase) ninguém pode vencê-la. Mas os acidentes da vida nem sempre permitiram que ela se expressasse esportivamente em sua plenitude.

Em 2003-2004, ela esteve ausente por oito meses após uma operação ao joelho. Embora ela tivesse apenas 21 anos na época, era duvidoso que ela jogasse tênis novamente, pois parecia ter outros interesses, como moda e televisão.

Tragédia

Em 2010, ela cortou seus pés em vidro quebrado, e em março de 2011, uma embolia pulmonar quase lhe custou a vida. Seus reveses, e especialmente a tragédia que atingiu sua família em setembro de 2003, quando sua meia-irmã Yetunde foi morta a tiros em Los Angeles, a tornaram mais humana aos olhos do público. Alguns estavam cansados de vê-la vencer sem parar.

Alguns meses antes da morte da meia-irmã, ela havia sido vaiada no Aberto da França, apesar de sempre ter dito que amava Paris, onde possui um apartamento. Essas pessoas nunca imaginaram que, dez anos mais tarde, treinada pelo francês Patrick Mouratoglou, ela estaria falando na língua de Molière na quadra central do torneio.

Com uma enorme lista de realizações - 7 abertos australianos, 3 franceses, 7 Wimbledons, 6 abertos norte-americanos, assim como 14 títulos do Grand Slam em duplas com sua irmã e quatro medalhas de ouro olímpicas (uma sozinha, três em duplas) -, Serena ganhou seu 23º e último grande prêmio na Austrália, em 2017. Desde então, ela tem perseguido um 24º lugar, em individuais, o que alcançaria o recorde da jogadora australiana Margaret Court, estabelecido entre 1959 e 1975.

Enquanto alguns poderiam ter visto o nascimento de seu primeiro filho em setembro de 2017, após uma gravidez e parto complicados, como sinal de aposentadoria antecipada, a mais jovem das Williams mostrou, ao invés disso, que sua filha Olympia é uma motivação adicional.

Voltando à competição em março de 2018, ela recuperou seu nível e jogou mais quatro finais, duas no US Open e duas em Wimbledon, mas sem sucesso.

Só em 2018, após o nascimento de sua filha Olympia em setembro de 2017, é que ela se tornou uma força no mundo dos negócios, com suas parcerias de Nike à Gatorade para marcas esportivas, passando por marcas de luxo da moda (Gucci), indústria automotiva (Ford) ou pesquisa farmacêutica (AbbVie).

Seus comerciais também incluem o grupo bancário JPMorgan Chase e a plataforma DirecTV, que humoristicamente a apresentaram como a Mulher Maravilha lutando contra monstros. A marca de cerveja Michelob fez dela sua estrela no meio do Super Bowl norte-americano.

De acordo com a lista anual dos atletas mais bem pagos da Forbes, Williams (31º) deverá ganhar US$ 45,3 milhões em 2022, cerca de quatro vezes mais do que em 2014.

Engajamento total

Diz-se muitas vezes que em termos de engajamento social, ações são melhores do que palavras. Serena Williams sabe disso. Ao longo de sua carreira, a estrela do tênis norte-americano, que está prestes a se aposentar, tem se destacado dentro e fora das quadras.

Nos últimos 27 anos, ela se tornou uma verdadeira mulher de negócios e tomou posição em inúmeras ocasiões, defendendo os direitos das mulheres e da comunidade negra. 

"Não vou ficar em silêncio" contra a violência policial

Envolvida no movimento "Black Lives Matter", criado em 2013 e ressurgido durante a campanha presidencial norte-americana de 2016, Serena Williams postou no Facebook uma história pessoal. Em 27 de setembro de 2016, ela pediu a seu sobrinho de 18 anos que a levasse aos seus compromissos para que ela pudesse trabalhar ao telefone durante a viagem. Ela então vê um policial ao longe e verifica se eles não estão acelerando o carro. Ela se lembra de repente do "vídeo horrível" do caso Philando Castile, um homem negro morto a tiros enquanto sua namorada filmava a cena do assento do passageiro, lembra a rádio France Inter

"Eu me arrependi de não estar dirigindo. Eu nunca me perdoaria se algo acontecesse com meu sobrinho", escreveu Serena Williams, comparando a cena. Ela continuou: "Por que eu ainda tenho que pensar sobre isso em 2016? Já não passamos por muito, já abrimos portas suficientes, já impactamos bilhões de vidas?", reporta a rádio francesa. Ela concluiu citando Martin Luther King: "Chega um momento em que o silêncio é traição. Eu não vou ficar em silêncio. Assinado, Serena".

Feminista, sim senhor

No final de 2016, quando já havia construído uma carreira incrível e conquistado 38 títulos do Grand Slam, Serena Williams ainda era vítima do sexismo. Assim, ela publicou uma carta aberta na Porter Magazine, durante uma edição especial sobre mulheres influentes. 

A carta foi compartilhada pela mídia de todo o mundo (disponível aqui em inglês). Ela se dirige a "todas as mulheres incríveis que lutam pela excelência" e as convida a "perseguir seus sonhos com inabalável resiliência", para "continuar a alcançar as estrelas". 

Ela defende ainda "o tema da igualdade salarial" e o fato de que as mulheres são "constantemente lembradas" que "não somos homens, como se isso fosse uma falha".

Assista a participação da musa do tênis no clip "Sorry", de Beyoncé:

(Com informações da AFP e da imprensa francesa)