Parlamento Europeu aprova lei contra o "desmatamento importado" que atinge o Brasil
A pressão internacional contra a devastação das florestas aumentou nesta terça-feira (13), depois de o Parlamento Europeu adotar uma versão ainda mais rigorosa de um projeto de lei para combater o chamado "desmatamento importado". A proposta prevê a proibição da compra de 14 produtos se eles forem originários de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2019.
Lúcia Müzell, da RFI
O projeto de lei foi aprovado em julho pela Comissão Europeia. Apesar do contexto de crise mundial de abastecimento de alimentos, devido à crise na Ucrânia, 453 eurodeputados acataram o texto, 57 se opuseram e 123 se abstiveram da votação em Estrasbugo.
"O Parlamento Europeu pede às empresas garantirem que os produtos vendidos na União Europeia não são originados em terras desmatadas ou degradadas", diz o documento.
Agora, o projeto ainda deve ser analisado pelos líderes dos 27 países que compõem o bloco, no Conselho Europeu. A expectativa é de que o texto seja definitivamente adotado em 2023.
"É uma legislação muito bem-vinda e esperada por toda a comunidade de cientistas e socioambientalistas. De forma transversal, vejo que o grande impacto vai ser minar a pressão de especulação de terras no Brasil. Essa é a grande contribuição da legislação europeia e o grande impulso para o Brasil reordenar o uso da terra e a sua produção agropecuária", avalia o cientista de uso da terra Tiago Reis, coordenador na América do Sul da Trase, iniciativa internacional especializada em rastrear a origem e o destino das matérias-primas no comércio mundial.
"De 90 a 99% do desmatamento global de 2015 a 2019 foi para a agropecuária. Mas de 35 a 55% desse desmatamento foi improdutivo, ou seja, ele foi motivado pela perspectiva de lucro com a venda da terra, de olhos nos preços futuros das commodities agropecuárias. Quando a UE define que não vai importar produtos de áreas desmatadas, ela está dizendo que essa terra não vai mais valer tanto assim, já que vai encontrar restrições de mercado", explica.
Produtos atingidos
O projeto original mirava seis produtos agrícolas: soja, carne bovina, óleo de palma, madeira, cacau e café. Nesta terça, os parlamentares acrescentaram à lista carne de porco, ovina ou caprina, aves, milho e borracha, além de carvão vegetal e papel impresso. Também anteciparam em um ano a data a partir da qual o desmatamento será considerado - inicialmente prevista para dezembro de 2020.
As importações feitas pela UE representam cerca de 10% da devastação de florestas em todo o mundo - o que coloca o bloco em segundo lugar na lista dos maiores desmatadores do mundo, atrás apenas da China. Além disso, os eurodeputados também acrescentaram o respeito às populações originárias e aos direitos humanos entre as exigências para as importações.
O projeto se inspira em uma lei inédita adotada pela França em 2017, relativa ao "dever de vigilância" das empresas sobre toda a cadeia produtiva dos produtos que oferecem. O eurodeputado ecologista francês Claude Gruffat esteve recentemente em uma missão do Parlamento Europeu no Brasil e comemora o avanço.
"Quando estamos na Europa, nós ouvimos falar disso, mas quando vamos lá, o que vemos na prática nos leva a uma outra dimensão. Na última década, o desmatamento aumentou 75% em relação à década anterior, ou seja, estamos diante de um fenômeno de forte aceleração, que vai muito rápido. Isso tem um impacto sobre os povos amazônicos, que moram lá, sobre a Amazônia em si e sobre a economia ilegal do Brasil. Há uma criminalidade assustadora, não punida pelo governo Bolsonaro", constata o parlamentar, em entrevista à RFI. "A partir do momento em que nós, europeus, compramos produtos que vêm de superfícies desmatadas, nós estamos participando disso concretamente. Teremos agora uma ferramenta a mais que começa a ser elaborada e a Comissão precisará adotá-la, implementá-la. Mas já temos um texto que nos permite dar um passo à frente", celebra.
Na prática, as empresas importadoras serão responsáveis ??pela sua cadeia de abastecimento e terão de ampliar os mecanismos de rastreabilidade - via ferramentas como geolocalização das produções e fotos de satélite. Os dados deverão ser integrados a uma base de dados acessível às autoridades.
O grau de verificação exigido será baseado no risco "alto, padrão ou baixo" da região de origem, conforme critérios estabelecidos pela UE e que serão adotados seis meses após a entrada em vigor da regulamentação. Os produtos de países considerados de "baixo risco" estarão sujeitos a menos "obrigações".
Outro avanço no projeto é incluir as instituições financeiras entre as que deverão aumentar os mecanismos de controle, de modo a garantir que "as suas atividades não contribuem para o desmatamento".
'Quem está morrendo para isso chegar na tua casa?'
De passagem por Paris para uma conferência, a líder indígena Shirley Krenak, de Minas Gerais, soube pela RFI da aprovação do projeto de lei. "Acredito que a semente foi plantada. Muitas pessoas usam e comem produtos que vêm do nosso país, dos nossos biomas, e chegam a até elas de forma totalmente ilegal. Quem está morrendo para isso chegar na tua casa?", questionou. "Entendo que a essa ação da Europa é muito positiva e a gente tem que levá-la para outros países, outros continentes também. É uma forma de frear essa destruição", afirma.
Tiago Reis, da Trase, lamenta apenas que outros ecossistemas ameaçados, como as savanas, tenham ficado de fora do texto. "O Cerrado não é todo coberto pela definição de florestas da FAO. 74% dele está desprotegido, de acordo com essa definição", observa o especialista. "E a União Europeia acaba comprando muito mais produtos que vêm de outras formações de vegetação nativa que são desmatadas. Quase metade do que é produzido no Cerrado, principalmente soja, é exportado para a União Europeia - e isso não está entrando na conta desta nova lei", aponta.
Na quinta-feira (8), dados atualizados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostraram que, na primeira semana de setembro, a Amazônia brasileira, que responde por quase dois terços da maior floresta tropical do mundo, já registrou mais incêndios do que em todo o mesmo mês de 2021. De 1º a 7 de setembro, 18.374 focos de incêndios foram identificados via satélite, 9,74% a mais do que em todo o mesmo mês de 2021.
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