Crise no Reino Unido é reflexo do Brexit e terá solução difícil, apesar do novo governo
Restaurar a confiança na economia britânica, devastada pelos governos anteriores, será o principal desafio do novo primeiro-ministro Rishi Sunak, escolhido como o sucessor de Liz Truss, que ficou apenas 44 dias no cargo. Porém, a origem dos problemas pode ser bem anterior ao governo dela e remontar a uma escolha crucial para o Reino Unido, que foi a saída da União Europeia (UE).
Esta é a avaliação do professor José Luiz Niemeyer, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec do Rio de Janeiro, ouvido pela RFI Brasil. O Reino Unido perdeu muito mercado saindo da União Europeia.
"O mercado europeu, ainda que tenha problemas de tarifas entre os países, já era uma união aduaneira estabelecida", explica o especialista. Por mais que houvesse problemas entre os países, havia garantia de compra de produtos e serviços britânicos. Essa perspectiva de exportação de serviços para os parceiros europeus foi muito prejudicada, diz Niemeyer, por mais que agora o país esteja livre para criar acordos com todos os países do sistema internacional", completa.
Ao anunciar um plano de corte de impostos, sem apontar um financiamento, Liz Truss causou nervosismo nos mercados e fez os britânicos pagarem a conta com uma inflação de 10%, a mais alta do G7 e a maior no país em 40 anos, o que tem reduzido o poder de compra da população. Um erro fatal, na opinião do professor Niemeyer.
"Inflação derruba governo, ainda mais quando você tem o parlamentarismo e o gabinete pode cair a qualquer momento. Inflação é muito grave. E são países que não estavam acostumados a viver com inflação desde a Segunda Guerra", diz.
A pandemia e a crise energética decorrente da guerra na Ucrânia só acentuaram os problemas, em uma economia já enfraquecida. A saída da União Europeia agravou a escassez de mão de obra no Reino Unido, sem reverter o declínio da produtividade que, pelo contrário, foi ampliado.
Desde 2016, ano do referendo do Brexit, os investimentos, o crescimento e o consumo progrediram mais lentamente no Reino Unido do que em países comparáveis.Se o divórcio do bloco europeu não foi a catástrofe anunciada pelos que defendiam a permanência do Reino Unido, ele também não foi a bênção alardeada pelos defensores do Brexit.
"Na hora em que você está fora de um serviço preferencial de tarifas, fora da UE, fica mais caro conseguir atingir o preço que se pratica dentro da UE. Por exemplo, a lã grega ou a lã inglesa. Só se você subsidiar a lã inglesa. Mas aí você tem um problema grave de inflação a partir de gasto público", explica o professor.
Como resultado de políticas equivocadas, o consumo dos britânicos caiu 1,4% em setembro. A libra está em seu nível mais baixo, as taxas de juros estão subindo e à medida que a dívida cresce, a recessão aparece no horizonte. Tanto o FMI quanto analistas de bancos privados preveem uma contração da economia britânica para 2023.
Para reverter essa curva, o novo ministro das Finanças, Jeremy Hunt, cancelou os cortes de impostos e propõe uma redução da despesa pública, solução complicada no momento em que as famílias precisam mais do que nunca de assistência para superar a crise energética.
Ex-secretário do Tesouro, Rishi Sunak é conhecido por ser um guardião da ortodoxia orçamentária. Foi o que ele demonstrou sob a liderança de Boris Johnson, quando aumentou os impostos corporativos e as contribuições sociais.
Contudo, reconhecer as consequências do Brexit ainda não faz parte do discurso do Partido Conservador, do qual fazia parte David Cameron quando propôs o referendo para tentar recuperar o eleitorado das classes populares.
Outra desvantagem dos ingleses nessa hora, de acordo com Niemeyer, é a pouca diversidade da economia. "A Inglaterra dificilmente vai criar um novo setor para alavancar a economia, como fez, por exemplo, o Brasil, que conseguiu aprimorar tanto o seu agronegócio que hoje se tornou o motor da economia brasileira. Na Inglaterra, existe uma economia muito tradicional naquilo que ela já produz", afirma.
Por fim, as escolhas do Reino Unido precisam ser analisadas dentro de um contexto de assuntos estratégicos e de segurança, destaca Niemeyer. "Outro aspecto que parece muito grave é que sair da UE tem o objetivo de se aproximar definitivamente dos Estados Unidos e a um desenho de segurança ocidental que é a Otan, o que se intensificou com a guerra na Ucrânia", analisa. "A UE começa a repensar a necessidade de uma política externa de segurança comum, criar uma 'farda europeia' e isso não interessa aos Estados Unidos", conclui.
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