Refugiado só é problema na Europa quando não é branco e cristão, denuncia revista francesa
A polêmica sobre a decisão da França em receber 234 migrantes que estavam no navio humanitário Ocean Viking e o novo acordo franco-britânico assinado para tentar controlar as travessias clandestinas no Canal da Mancha geram um novo debate sobre a questão da imigração na Europa. O assunto, que provoca divisões no bloco, é tema de reportagens e análises nas revistas semanais francesas, que tentam explicar o impasse sobre a questão, ainda sem solução, apesar dos diversos compromissos firmados.
A revista L'Express destaca a situação entre a França e o Reino Unido, que há anos se alfinetam por causa da gestão dos migrantes que atravessam o canal da Mancha ilegalmente, com Paris e Londres, cada um à sua maneira, empurrando para o vizinho a responsabilidade sobre a questão. Como, em novembro de 2021, quando 27 migrantes morreram em um naufrágio que poderia ter sido evitado se as autoridades de ambos os lados não tivessem passado horas dizendo que o outro país deveria socorrer o barco.
França e Reino Unido acabaram de assinar um pacto no qual se comprometem em cooperar mais para tentar resolver a situação, como lembra a análise da L'Express. Os britânicos vão contribuir financeiramente com as infraestruturas de controle do lado francês e, em contrapartida, Paris promete aumentar em 40% as forças de seguranças que vigiam as praias de onde partem as embarcações clandestinas. No entanto, nenhum objetivo concreto aparece no acordo assinado entre os dois países.
No resto do Velho Continente, "sete anos após a crise migratória de 2015, a UE não conseguiu reformar a sua política de asilo e migração", aponta Emmanuel Berretta, editorialista da revista Le Point. Ele lembra que, desde 2016, duas reformas importantes foram apresentadas pela Comissão Europeia, mas a primeira foi abandonada e a segunda permanece bloqueada.
Em seu texto, ele explica que existe um impasse dentro das próprias instituições do bloco: de um lado, o Conselho Europeu defende a proteção das fronteiras exteriores, a expulsão daqueles que têm seus pedidos de asilo recusados e um controle maior da ação das ONGs que atuam no mar Mediterrâneo. Do outro, no Parlamento Europeu, uma maioria de esquerda e de liberais mais abertos à entrada de imigrantes se preocupa com as condições de acolhimentos dos mais vulneráveis, entre eles os menores de idade, além do respeito aos direitos fundamentais daqueles que entram no bloco.
Há também uma divisão entre os países do sul e do leste. Itália, Espanha e Grécia bloqueiam qualquer medida de controle reforçado das fronteiras do bloco enquanto não tiverem a garantia de que não terão que arcar com todas as despesas e que os demais países vão contribuir com a iniciativa. Já as nações do leste dizem que não haverá nenhuma forma de solidariedade enquanto os vizinhos do sul não fecharem totalmente as fronteiras aos refugiados.
"Escolha" de refugiados
Porém, nesse meio tempo, o êxodo provocado pela guerra na Ucrânia mudou a situação, já que boa parte dos países do bloco se organizaram, desde o início da ofensiva russa em fevereiro, para receber aqueles que fugiam das bombas de Moscou. "Esse conflito mostrou que a Polônia, a Hungria, a República Checa e a Eslováquia não tinham nenhum problema com a noção de refugiados, a condição que eles fossem brancos e cristãos", detalha o editorial da Le Point.
Na revista conservadora Valeurs Actuelles, Jean Messiha, pesquisador e representante da extrema direita, reforça essa análise indiretamente, ao defender o bloqueio total das fronteiras europeias, temendo o que ele chama de "Africanização" do continente. Sem citar uma única vez os milhões de refugiados que deixaram a Ucrânia nos últimos meses, ele escreve que o desembarque autorizado por Paris dos migrantes que estavam a bordo do Ocean Viking é mais uma prova de uma "invasão da nossa terra francesa e europeia".
Diante das divergências e das opiniões extremas, as chances de que um pacto migratório seja adotado no bloco antes das eleições europeias de 2024 são quase inexistentes, afirma Le Point. E enquanto os membros do bloco não conseguem chegar a um acordo sobre a gestão de suas fronteiras, "a União Europeia deixa a porta aberta aos populistas, neste terreno que lhes é favorável", finaliza a revista.
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