Relatório de ONG diz que Carrefour ainda compra carne da JBS proveniente de desmatamento no Brasil
Em um novo relatório, "Carrefour nous enfume toujours" ("Carrefour continua nos enganando", em tradução livre), apresentado nesta sexta-feira (25), em Paris, a ONG Mighty Earth denuncia o grupo Carrefour por não cumprir a promessa de deixar de comprar carne da empresa brasileira JBS proveniente de áreas desmatadas.
Ana Carolina Peliz, da RFI
De acordo com a organização, a suspensão prometida pelo grupo não foi aplicada a todas as lojas no Brasil. A investigação identificou 12 produtos provenientes de dois frigoríficos de Rondônia instalados em terras indígenas (Vilhena e Pimenta Bueno), em quatro supermercados da rede Atacadão, que pertence ao Carrefour.
A Mighty Earth publicou, em setembro, uma primeira versão do relatório, que revelava conexões entre a carne produzida nestes frigoríficos fornecedores da JBS e o Carrefour. O documento afirmava que 12% de produtos bovinos provenientes do estado de Rondônia eram potencialmente ligados ao desmatamento em terras indigenas.
Após o lançamento desse documento, o Carrefour se comprometeu a suspender a compra de carne desses abatedouros.
"Em outubro voltamos às lojas para constatar se eles tinham realmente parado de comprar e, com surpresa, encontramos 14% de produtos que vinham do estado de Rondônia nas lojas que visitamos. Isso significa que eles não respeitaram os compromissos públicos anunciados", disse Mariana Gameiro, co-autora do relatório, na coletiva de imprensa em Paris.
Para verificar a aplicação da política, a ONG analisou 310 produtos comercializados em 10 lojas do grupo, em sete cidades do país. Ao todo, 10 frigoríficos JBS ligados a recentes casos de desmatamento forneceram até 27% dos produtos bovinos da rede Carrefour no Brasil, de acordo com a investigação.
Além dos dois frigoríficos de Rondônia, Mighty Earth afirma também que Carrefour comercializa produtos derivados da carne provenientes de abatedouros da JBS envolvidos em denúncias de outras ONGs como AidEnvironment, Envol Vert, Global Witness e Greenpeace, localizados em Marabá, no Pará, São Miguel do Guaporé, também em Rondônia, e Alta Floresta, no Mato Grosso.
Saída de zonas geográficas de risco
A diretora executiva de engajamento do Carrefour, Carine Kraus, reconheceu que, apesar da suspensão das compras, dois lotes de carne provenientes dos frigoríficos da JBS foram encontrados nas lojas do supermercado Atacadão.
Ela alega que as duas lojas fazem parte dos 400 estabelecimentos da rede Big, adquirida em agosto pelo Carrefour, que estão sendo integradas ao grupo francês. "É uma fusão importante e significativa. Efetivamente, reconhecemos que as duas lojas não receberam a ordem de suspensão. Estamos investigando para resolver o assunto e saber se outras, principalmente as que contam com fornecedores locais, estariam eventualmente na mesma situação", afirma.
Kraus também lamenta que o relatório da Mighty Earth não tenha citado o plano de ação do grupo publicado no começo de novembro, no qual a rede se compromete a deixar de comprar produtos provenientes de "zonas de risco" a partir de 2026. Estas zonas são regiões e estados onde a probabilidade da atividade pecuária ser realizada em áreas desmatadas é maior.
"Para evitar essa lógica do caso a caso, em que é necessário verificar loja por loja, fazenda por fazenda, vamos sair integralmente de certos estados a risco, entre eles Rondônia", afirma.
Sobre o pedido da Mighty Earth para que a empresa deixe de comprar produtos da JBS, Kraus diz não concordar. "Compramos muita carne de JBS, mas nem todos os produtores de carne da empresa participam do desmatamento", afirma. " A Mighty Earth se focaliza na JBS, mas não existem apenas eles, e sim um conjunto de empresas. Fixamos o ano de 2026 porque precisamos de tempo para encontrar fornecedores alternativos e as equipes brasileiras já estão trabalhando nisso", afirma.
JBS
Para Boris Patentreger, diretor da Mighty Earth na França, o Carrefour poderia usar suas relações comerciais com a JBS para pressionar a empresa a mudar suas práticas. "Não queremos que deixem de comprar da JBS para sempre, mas que ao menos façam ações claras, uma moratória, com um começo e um fim", sugere. "Um pedido claro, transparente, que diga: 'eu paro de trabalhar com vcs até que apliquem certas medidas'. Queremos que eles sejam realmente fortes nas negociações com a JBS", diz.
Ele também alerta para a armadilha de inverter a carga da responsabilidade da proteção dos territórios. Para o ativista, se as ONGs têm capacidade de encontrar casos de desmatamento na rede de abastecimento direto ou indireto do varejo, os grandes grupos podem fazer o mesmo.
"Eles nos dizem sempre que não sabiam e que podemos ajudá-los a melhorar com informações. Essa foi a resposta que tivemos do Carrefour. Mas será que é essa a melhor maneira de funcionar?", questiona. "A melhor maneira é que vocês sejam corretos, que empreguem meios para vigiar a origem de seus produtos e fornecedores", argumenta. "Não podemos esquecer com quem falamos. São grupos enormes", completa.
Patentreger negou que a ONG tenha o objetivo de levar o Carrefour à Justiça, como no caso Casino. "Não está definido, mas claro que o risco existe", antecipou.
Terras indígenas
Benki Piyãko, representante político e espiritual do povo Ashaninka, do Acre, na fronteira entre o Brasil e o Peru, falou durante a coletiva sobre as consequências da invasão de territórios indígenas para a criação de gado.
"Derrubar a floresta para criar gado é um atraso", ressaltou. Ele chamou a atenção para o impacto do desmatamento e da pecuária nos rios da região onde vive. "De três anos para cá, vimos muitos animais da floresta morrerem sem água. As nascentes de igarapés secaram. Achamos que estamos fazendo bem para o desenvolvimento econômico, mas estamos construindo um abismo. Podemos entrar em um colapso muito maior", alertou.
Benky Piyãko também comentou que foi sondado para participar do Ministério dos Povos Originários anunciado pelo futuro presidente Lula.
Para ele, a criação da pasta é um dos pontos essenciais do governo de transição. "Ele traz a grande possibilidade de um melhor diálogo entre os povos indígenas e o estado, o estado de direito, o estado democrático", afirmou. "A gente pensa positivo e o que eu puder fazer, farei. O meu trabalho mesmo dentro disso é o meio ambiente: trabalhar a recuperação de terras e recuperar territórios com práticas", disse.
Benky está em Paris para participar da Universidade da Terra da Unesco, um evento que traz personalidades do mundo da cultura, política e ativistas para discutir temas ligados ao desenvolvimento sustentável.
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