ONU chega a acordo histórico para proteção da biodiversidade dos oceanos
Os Estados-membros da ONU finalmente chegaram a um acordo na noite deste sábado (4) para o primeiro tratado internacional para proteger o alto mar, destinado a combater as ameaças aos ecossistemas vitais para a humanidade. "O navio chegou à costa", anunciou a presidente da conferência, Rena Lee, na sede da ONU em Nova York, sob fortes e prolongados aplausos dos delegados.
Depois de mais de 15 anos de discussões, incluindo quatro anos de negociações formais, a terceira "última" sessão em Nova York finalmente foi a definitiva, ou quase.
Os delegados finalizaram o texto com conteúdo agora atrelado ao fundo, mas o documento será formalmente adotado em uma data futura após ter sido examinado por serviços jurídicos e traduzido para estar disponível nos seis idiomas oficiais da ONU.
O conteúdo exato do texto não foi publicado imediatamente, mas os ativistas o saudaram como um divisor de águas para a proteção da biodiversidade. "É um dia histórico para a conservação, e um sinal de que, em um mundo dividido, a proteção da natureza e das pessoas pode triunfar sobre a geopolítica", declarou Laura Meller, do Greenpeace.
Depois de duas semanas de intensas discussões, incluindo uma longa sessão que se estendeu pela madrugada de sexta-feira (3) para sábado, os delegados finalizaram um texto que não pode mais ser alterado significativamente. "Não haverá reabertura ou discussões substanciais" sobre este arquivo, informou Lee aos negociadores.
"Momento histórico para nossos oceanos"
O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, parabenizou os delegados, de acordo com um de seus porta-vozes, que afirmou que o acordo é uma "vitória para o multilateralismo e para os esforços globais no combate às tendências destrutivas que ameaçam a saúde dos oceanos, hoje e nas próximas gerações".
O acordo é "um momento histórico para nossos oceanos", saudou o comissário europeu para o Meio Ambiente, Virginijus Sinkevicius, neste domingo (5), se dizendo "muito orgulhoso" com este resultado.
"Estamos dando um passo crucial para preservar a vida marinha e a biodiversidade que são essenciais para nós e para as próximas gerações", afirmou o responsável europeu em um comunicado.
"Este dia marca a conquista de mais de uma década de trabalho preparatório e negociações internacionais em que a UE desempenhou um papel fundamental", ele enfatizou.
"É também (...) uma o elemento principal para a concretização do objetivo a que nos propusemos na COP15, principalmente o de proteger 30% dos oceanos", acrescentou o comissário europeu responsável pelos oceanos e pela pesca.
Oceanos estão se enfraquecendo
O alto mar começa onde terminam as Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) dos Estados, a no máximo 200 milhas náuticas (370 km) das costas e, portanto, não estão sob a jurisdição de nenhum país.
Ainda que represente mais de 60% dos oceanos e quase metade do planeta, há muito que o alto mar é ignorado na luta ambiental, em benefício das zonas costeiras e de algumas espécies emblemáticas.
Com o progresso da ciência, ficou provada a importância de proteger estes mares, repletos de uma biodiversidade muitas vezes microscópica, que também fornece metade do oxigênio que respiramos e limita o aquecimento global ao absorver parte importante do CO2 emitido pelas atividades humanas.
Mas os oceanos estão se enfraquecendo, vítimas dessas emissões (aquecimento, acidificação da água, etc.), poluição de todos os tipos e da pesca predatória. Com isso, o novo tratado, quando entrar em vigor depois de ter sido formalmente adotado, assinado e depois ratificado por um número suficiente de países, criará áreas marinhas protegidas nessas águas internacionais.
Apenas cerca de 1% do alto mar está sujeito a medidas de conservação, sendo esta ferramenta emblemática considerada essencial se pretendemos proteger 30% das terras e oceanos do planeta até 2030, como se comprometeram todos os governos do mundo na COP15 da Biodiversidade, em Montreal, em dezembro passado.
"As áreas protegidas em alto mar podem desempenhar um papel vital na construção de resiliência aos efeitos da mudança climática", revelou Liz Karan, da ONG Pew Charitable Trusts, que chamou o acordo de "uma conquista importante".
Impacto ambiental
O tratado sobre "a conservação e uso sustentável da biodiversidade marinha de áreas fora da jurisdição nacional" também introduz a obrigação de realizar avaliações de impacto ambiental das atividades propostas em alto mar.
Por fim, um capítulo altamente sensível cristalizou tensões até o último minuto, o princípio da repartição dos benefícios dos recursos genéticos marinhos coletados em alto mar.
Os países em desenvolvimento que não dispõem de meios para financiar expedições e pesquisas caríssimas têm lutado para não serem excluídos do acesso aos recursos genéticos marinhos e da partilha dos lucros antecipados da comercialização desses recursos - que não pertencem a ninguém - de quem as farmacêuticas ou empresas de cosméticos esperam obter moléculas milagrosas.
Como em outros fóruns internacionais, principalmente os de negociações climáticas, o debate acabou se resumindo a uma questão de equidade Norte-Sul, comentaram observadores.
Norte e Sul
Com um anúncio visto como um gesto de reforço da confiança Norte-Sul, a União Europeia prometeu, em Nova York, € 40 milhões para facilitar a ratificação do tratado e sua implementação inicial.
Além disso, o bloco se comprometeu a dedicar mais de € 800 milhões à proteção dos oceanos em geral em 2023 durante a conferência "Nosso Oceano" que terminou sexta-feira no Panamá.
A ministra das Relações Exteriores do Panamá, Janaina Tewaney, anunciou que, ao todo, "341 novos compromissos", totalizando cerca de US$ 20 bilhões - incluindo quase US$ 6 bilhões dos Estados Unidos - foram prometidos durante esta conferência para proteger os mares.
(Com informações da AFP)
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