Brasil abandona uso e produção da vacina da AstraZeneca contra a Covid-19
Desde o final do ano passado, o Ministério da Saúde recomenda que as vacinas de vetor viral (AstraZeneca e Janssen) não sejam mais aplicadas como reforço contra a Covid-19, a partir da terceira dose, na população com menos de 40 anos. O motivo da decisão é o risco aumentado de trombose, principalmente em mulheres.
Desde o final do ano passado, o Ministério da Saúde recomenda que as vacinas de vetor viral (AstraZeneca e Janssen) não sejam mais aplicadas como reforço contra a Covid-19, a partir da terceira dose, na população com menos de 40 anos. O motivo da decisão é o risco aumentado de trombose, principalmente em mulheres.
Taíssa Stivanin, da RFI
A nota técnica, publicada em 27 de dezembro de 2022, passou despercebida em meio ao caos que tomou conta do país após a posse do presidente Lula e a invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro.
Segundo o documento, "do total de 40 casos prováveis e confirmados de Síndrome de Trombose com Trombocitopenia distribuídos por dose de vacina para Covid-19, notificados no e-SUS Notifica Brasil (excluindo-se São Paulo), 34 foram atribuídos à vacina da AstraZeneca". Os incidentes foram registrados entre janeiro de 2021 e 17 de setembro de 2022. A maioria deles ocorreu cerca de duas semanas após a vacinação.
A produção do soro pela Fiocruz, que assinou, no início de 2020, um acordo com o laboratório anglo-sueco para a produção de uma versão 100% nacionalizada do imunizante foi interrompida, e o contrato não foi renovado. Até janeiro de 2002, a vacina já tinha sido usada em cerca de 115,6 milhões de pessoas no país.
A vacina recombinante Oxford/Covishield (Fiocruz e AstraZeneca) foi bastante usada como dose de reforço no ano passado, explicou à RFI Brasil o infectologista Julio Croda, especialista da Fiocruz, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e da Faculdade de Saúde Pública de Yale, nos Estados Unidos.
"O Brasil tem, dentro do seu programa nacional de imunização, um sistema de farmacovigilância que é justamente feito para avaliar os eventos adversos associados às diversas vacinas. Através desse monitoramento, foi identificado um aumento de risco, eventualmente para trombose, principalmente em pessoas jovens, abaixo de 40 anos e mulheres", explicou o infectologista. "Isso é bastante similar ao que foi identificado em outros países, como no Reino Unido, no caso da vacina da AstraZeneca, e nos Estados Unidos, no caso da vacina da Janssen", destacou Croda.
Ele ressalta que o efeito adverso observado após a aplicação do imunizante, que utiliza o adenovírus de chimpanzé como vetor viral, é raro. "No custo benefício, ainda compensa utilizá-la no esquema inicial, porque o risco de trombose por Covid-19 é bem maior do que o risco de trombose pelo uso da vacina", avalia.
"Mas, no contexto de uma população jovem, com elevada cobertura vacinal, os efeitos raros devem ser levados em conta. Além disso, outros imunizantes não apresentam esse risco e o Ministério da Saúde, utilizando dados de outros países e de seu próprio sistema de farmacovigilância, decidiu fazer uma mudança importante, deixando de recomendar a vacina como dose de reforço em menores de 40 anos. Então, preferencialmente, essas pessoas devem usar outro imunizante", frisa.
A vacina da Pfizer, nos primeiros dois anos de epidemia, foi considerada como um artigo de luxo. Os lotes eram reservados prioritariamente às populações dos países desenvolvidos. Estados Unidos, França e muitos outros podiam garantir suas doses em contratos milionários, em um cenário de oferta restrita e alta demanda. A aplicação do imunizante da AstraZeneca se justificava neste contexto, diz o infectologista brasileiro.
"Nesse caso, o benefício compensava o risco do efeito adverso raro. Mas agora, no Brasil, onde existem contratos específicos para vacinas de RNA e eventualmente para Coronavac, optou-se por não usar mais a vacina da AstraZeneca nos mais jovens. Isso impacta diretamente a utilização global da vacina e os contratos do Ministério da Saúde. Como acima de 40 anos a cobertura para duas doses de vacina em esquema inicial é mais de 95%, o Ministério optou por não renovar o contrato com a Fundação Oswaldo Cruz. Sem contrato, a vacina deixa de ser produzida e utilizada no país", explica.
Efeitos colaterais não são tardios
Ao longo da epidemia, diversos estudos mostraram que o imunizante, a base de vetores virais, estava associado à formação de coágulos em alguns pacientes, principalmente mais jovens. Por essa razão, ele deixou de ser usado em abril de 2021 no Reino Unido em menores de 30 anos. Este também foi o caso na França e em muitos países europeus. Nos Estados Unidos, o uso da vacina nunca foi autorizado. Cerca de dois milhões de doses adquiridas pelo país, no início da epidemia, foram doados ao Brasil.
Em 6 de agosto de 2021, a FDA, a agência americana de medicamentos, divulgou uma nota explicando que exportaria seus lotes diante da "situação emergencial" em algumas regiões. No Brasil, onde o vírus SARS-CoV-2 provocou a morte de mais de 700 mil pessoas, a vacina da AstraZeneca foi usada nos anos de 2021 e 2022 em grande escala, a partir de 18 anos de idade, principalmente como primeira e segunda dose.
O infectologista brasileiro lembra que as pessoas que tomaram a vacina nos primeiros anos da epidemia não devem se preocupar com efeitos colaterais tardios. "Esses eventos adversos raros acontecem nos primeiros 14 dias após a vacinação. A vacina não permanece no organismo e esse vetor viral é eliminado. Ficam os efeitos da vacina, que são a imunidade e a geração de corpos neutralizantes e de resposta celular", afirma.
"Não existe nenhuma preocupação no momento para quem tomou a vacina no passado. Esses efeitos são raríssimos e dificilmente detectados em estudos de fase 3. Como gestores de saúde pública e agências regulatórias, adaptamos a recomendação a partir da disponibilidade de outras opções", reitera. Para ele, "é importante deixar claro que, em um momento que você tem uma população que não está imunizada, qualquer vacina tem um impacto substancial, principalmente nas hospitalizações e óbitos".
"Risco inaceitável"
O infectologista francês Pierre Tattevin, chefe do setor de doenças infecciosas do hospital universitário de Rennes, na Bretanha, considera o risco que envolve a vacina da AstraZeneca "inaceitável". "Quando a campanha de vacinação contra a Covid-19 começou, percebemos que esse imunizante não era bem tolerado pelos jovens, então paramos de utilizá-lo. O corpo reagia muito e havia efeitos colaterais", diz.
Recentemente, o Instituto de Estatísticas britânico (Office for National Statistics) divulgou uma nova análise que associa riscos cardíacos ao uso da vacina da AstraZeneca contra a Covid-19 em mulheres jovens, entre 12 e 29 anos. Segundo as novas estatísticas, publicadas em 27 de março pelo ONS (Office for National Statistics) do Reino Unido, a vacina poderia ser apontada como a causa de seis acidentes cardiovasculares em 100 mil jovens vacinadas doze semanas antes, que receberam pelo menos uma dose.
"É um estudo muito bem feito e eles conseguiram estabelecer dados. Apesar do número de efeitos colaterais graves ser pequeno, isso é inaceitável", frisa Tattevin. Segundo ele, como no contexto epidêmico atual há poucas formas graves, o custo-benefício da vacina, em mulheres abaixo de 40 anos, não é favorável nem em países onde há pouca oferta de imunizantes.
Resposta do laboratório
A RFI Brasil entrou em contato com a AstraZeneca sobre o risco de trombose envolvendo a vacina. Leia a íntegra da nota enviada pela assessoria de imprensa do laboratório.
"A AstraZeneca reforça que a vacina contra a COVID-19 - Vaxzevria - apresenta um perfil de segurança favorável, assim como já declarado pela Organização Mundial da Saúde e outros órgãos internacionais, em que os benefícios da vacinação superam quaisquer riscos potenciais.
É importante ver que esta análise conduzida a partir de um grande banco de dados de registros eletrônicos de saúde constatou que a mortalidade por todas as causas, incluindo a cardíaca, não aumentaram entre os jovens que receberam vacinas contra a Covid-19.
Ressaltamos que o estudo também analisou a relação da vacina Vaxzevria com mortes de mulheres jovens de 12 a 29 anos, evidenciando que não foi possível estabelecer nenhum vínculo causal. Os autores também afirmam que é difícil estender qualquer conclusão para o público em geral porque a vacina foi usada apenas durante um curto período de tempo e em uma população selecionada."
Segundo a farmacêutica, estimativas mostram que a Vaxzevria ajudou a salvar mais de 6 milhões de vidas no primeiro ano de vacinação, de dezembro de 2021 a dezembro de 2022.
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