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Itália decreta estado de emergência para conter alto fluxo de migração ilegal pelo Mediterrâneo

12/04/2023 13h27

O governo italiano decretou estado de emergência nacional devido ao alto fluxo de imigrantes por meio de rotas no Mar Mediterrâneo. A medida, que valerá por seis meses, dará mais poder de decisão aos prefeitos e presidentes regionais das áreas mais expostas à pressão migratória, como Sicília e Calábria. As chegadas se multiplicaram nos últimos meses. Em apenas três dias, mais de 3.000 pessoas desembarcaram na costa italiana.

 

A Itália decreta estado de emergência nacional devido ao alto fluxo de imigrantes por meio de rotas no Mar Mediterrâneo. Segundo o governo italiano, a medida valerá por seis meses e prevê um financiamento de € 5 milhões, cerca de R$ 27 milhões.

O decreto também dará mais poder de decisão aos prefeitos e presidentes regionais das áreas mais expostas à pressão migratória, como Sicília e Calábria. As chegadas se multiplicaram nos últimos meses. Em apenas três dias, mais de 3 mil pessoas desembarcaram na costa italiana.

O estado de emergência vai permitir ao governo tomar mais decisões sem passar pelo Parlamento. Por exemplo, expulsões graças a um rápido processo de identificação e deportação. Entretanto, ainda não foi esclarecido como será a repatriação dos imigrantes irregulares, ou seja, as pessoas que migraram por motivos econômicos e que, segundo a lei italiana, não tem o direito de permanecer no país porque chegaram de modo ilegal. Nos últimos anos, o governo italiano tem se concentrado fortemente na assinatura de acordos bilaterais de readmissão com vários países africanos, incluindo Tunísia, Egito, Marrocos, Nigéria, Gâmbia, Costa do Marfim e Senegal. Porém, acordos de cooperação também são assinados com autoridades de Estados responsáveis por graves violações de direitos humanos, como o Sudão e Líbia.

Na Itália, o procedimento para reconhecer a condição de refugiado é lento e limitado aos que fugiram de seu próprio país em guerra ou porque foram vítimas de perseguições. Segundo a Fundação Migrantes (organismo pastoral da conferência episcopal italiana) em junho de 2022, já em plena crise humanitária ucraniana, viviam na Itália pouco menos de 296.000 refugiados, o que equivale a cinco pessoas por mil habitantes. Na mesma data, havia 613 mil refugiados na França e até 2.235.000 na Alemanha. Em 2021, a Itália registou 45.200 requerentes de asilo, a Alemanha registrou 148.200, a França contabilizou 103.800 e até a Espanha recebeu mais - 62.050.

Aumento de 300% 

A Itália é um dos países onde mais chegam imigrantes pelo mar Mediterrâneo. Desde o início deste ano, 31.200 imigrantes desembarcaram na Itália, registrando +300% em relação à 2022. Por consequência, todos os centros de acolhimento do país estão lotados. A previsão é que cheguem cada vez mais, por causa da primavera e do verão, quando as condições meteorológicas são melhores.

De fato, neste momento a 'Guarda Costeira' mantém uma operação de salvamento ativa no mar Jônico, onde as condições do mar dificultam a escolta de dois barcos com 800 e 400 imigrantes em águas próximas da Sicília e da Calábria, no sul do país.

O estado de emergência, de acordo com a legislação italiana, só pode ser declarado para enfrentar uma calamidade com meios e poderes extraordinários: de crises humanitárias a desastres naturais.

Nos próximos dias deverá ser nomeado um comissário para cumprir os objetivos da medida, ou seja, superar a situação de emergência, reduzir os riscos gerados pela catástrofe, restabelecer os serviços essenciais e prestar assistência à população que sofreu as consequências da emergência em questão.

Todos os objetivos para decretar o estado de emergência parecem exagerados, segundo o responsável de imigração da associação de promoção social Arci, Filippo Miraglia.

"O governo declarou estado de emergência devido ao número de chegadas em nossas costas e fronteiras terrestres. Mas nem os números nem as condições reais sugerem que haja uma emergência, já que é declarado pela chegada de 30.000 migrantes, quando em 2015 recebemos 200.000 e ninguém pensou em declará-la", observou.

Alerta ONU: Mar Mediterrâneo, um cemitério

Os imigrantes de diversas nacionalidades vindos da África, Ásia e Oriente Médio, partem principalmente da Líbia, Tunísia e alguns da Turquia. Eles atravessam o mar Mediterrâneo em pequenos barcos ou botes de borracha lotados. A travessia é muito perigosa não só pelas condições marítimas como também pelas embarcações obsoletas e lotadas. Além disso, em muitos casos os galões de combustível podem derramar dentro do barco e, quando é misturado com a água do mar e em contato com a pele causam graves queimaduras nas pessoas.

O mar Mediterrâneo se transformou em um cemitério e muitas vezes devolve corpos sem vida próximos às praias sicilianas e calabresas. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM) das Nações Unidas, nos últimos 10 anos 26 mil pessoas morreram tentando atravessar o mar na esperança de uma vida melhor.

O primeiro trimestre de 2023 foi o mais mortífero para os migrantes que atravessam o Mediterrâneo desde 2017, com 441 vidas perdidas tentando chegar à Europa, disse a ONU na quarta-feira. Mas a OIM tem o receio que esse número de 441 mortes entre janeiro e março de 2023 poderia estar abaixo da realidade.

"Com mais de 20.000 mortes registradas nesta rota desde 2014, temo que esses óbitos tenham se normalizado", alertou, acrescentando que "atrasos e lacunas nas operações de busca e salvamento por parte dos Estados custam vidas humanas".

Atrasos nas operações de busca e salvamento (SAR) foram um fator determinante em pelo menos seis incidentes até agora este ano, matando pelo menos 127 pessoas de 441 outras, disse o IOM.

 "A crise humanitária contínua no Mediterrâneo central é intolerável", disse o chefe da OIM, Antonio Vitorino.

O projeto Migrantes Desaparecidos da agência da ONU também está investigando vários casos de barcos desaparecidos, onde não há vestígios de sobreviventes, destroços e onde não foram realizadas operações de busca e resgate.

Cerca de 300 pessoas a bordo desses barcos ainda estão desaparecidas, disse a organização.

 "Salvar vidas no mar é uma obrigação legal dos Estados", enfatizou Vitorino. "Precisamos de uma coordenação proativa dos Estados nos esforços de busca e salvamento. Guiados pelo espírito de compartilhamento de responsabilidade e solidariedade, convocamos os Estados a trabalhar juntos e se esforçar para reduzir as baixas humanas nas rotas migratórias", acrescentou.

Nenhuma decisão concreta da União Europeia

Durante o Conselho Europeu realizado em Bruxelas, nos dias 9 e 10 de fevereiro, os chefes de Estado e de governo dos 27 países membros da União Europeia discutiram também, entre outros assuntos, a gestão da imigração.

Precisamente sobre esse ponto, em conferência de imprensa no final da reunião, a primeira-ministra Giorgia Meloni disse estar particularmente "satisfeita", atribuindo méritos ao seu governo. Segundo Meloni, as conclusões do Conselho Europeu demonstraram uma mudança na "abordagem" da UE em relação aos migrantes que do Norte de África tentam chegar às costas europeias, sobretudo italianas.

No entanto, no texto do Conselho Europeu foram dedicadas poucas linhas à questão migratória. Segundo analistas políticos italianos, Giorgia Meloni se baseia mais em propaganda do que na realidade. 

Os pontos mencionados nas conclusões do Conselho Europeu são os mesmos do passado: reforço das fronteiras externas; acelerar repatriações; abordar os movimentos secundários, ou seja, os movimentos do primeiro país de entrada dos migrantes na União Europeia para outros Estados, apostando no mecanismo voluntário de solidariedade (não em redistribuição real, mas em mecanismo voluntário); e, finalmente, cooperar com os países parceiros para melhorar a gestão da migração e a "cooperação antitráfico".

Durante a campanha eleitoral, Giorgia Meloni disse que faria um bloqueio naval nas costas do norte da África. Seu partido de extrema-direita, os Irmãos da Itália, faz parte de uma coalizão que fez da redução da imigração uma parte fundamental de sua plataforma. Segundo a primeira-ministra, os imigrantes irregulares ameaçam a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos italianos.

Seu governo também quer aumentar as repatriações, e criar obstáculos aos navios humanitários das ONGs que resgatam migrantes em dificuldade durante a travessia do Mediterrâneo. Vale ressaltar dos imigrantes que desembarcaram na costa da Itália em 2022, apenas 10% chegaram com navios humanitários.