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Cúpula em Paris dá novo impulso para reforma do sistema financeiro mundial, mas tem ação limitada

23/06/2023 11h42

O encerramento da Cúpula para um Novo Financiamento Global se tornou palco para os países em desenvolvimento e emergentes reivindicarem a reforma das instituições financeiras multilaterais, em especial o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Entretanto, com poder de ação limitado, o evento termina com avanços tímidos - criticados por organizações não-governamentais.

Lúcia Müzell, da RFI em Paris

Anfitrião da cúpula, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que o objetivo da reunião foi construir a "união" da comunidade internacional para chegar às respostas ao "duplo desafio" que é o combate às desigualdades e a proteção do planeta. Ao fim de dois dias de reuniões, o francês disse ter ouvido as críticas da maioria dos cerca de 40 líderes que participaram do evento, entre eles sul-americanos, africanos e de pequenos países. O brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos que usou o púlpito para pedir mais representatividade nas instituições internacionais.

"Se nós fracassarmos, nós iremos certamente rumo à fragmentação das nossas instituições internacionais. As que existem serão progressivamente deslegitimadas pelos mais pobres e os emergentes, ajudados pelas intenções daqueles que podem ter intenções mais ou menos louváveis, com o dinheiro que poderá lhes servir", constatou Macron. "A nossa responsabilidade é manter essa união ao serviço dos nossos princípios e dos nossos bens comuns", clamou.

Ao seu lado na coletiva de imprensa de encerramento da cúpula, a presidente do FMI, Kristalina Georgieva, ressaltou que o número de habitantes no mundo triplicou em relação à época da criação do fundo, nos anos 1940, e no período o PIB mundial cresceu 10 vezes. "Estamos mudando com as mudanças do mundo e eu estou completamente comprometida com mudar para o futuro, com os nossos membros, para sermos mais inclusivos, mais representativos, melhor abastecidos e servir, com profissionalismo e empatia, os nossos membros", afirmou Georgieva.

Mais recursos para os países pobres

Um dos avanços da cúpula foi um acordo para realocar US$ 100 bilhões em Direitos Especiais de Saque do FMI - um instrumento monetário destinado a complementar as reservas oficiais dos Estados - em benefício dos países pobres, em particular, africanos.  A manobra foi possível graças a um gesto da França, do Japão e da China, que concordaram em ceder 40% e 28%, no caso chinês, dos seus próprios direitos de saques.

Outro avanço, qualificado como "insatisfatório" pelo próprio Macron, foi poder revelar que a meta de US$ 100 bilhões de financiamento para o clima tem "grandes chances" de ser alcançada este ano, segundo o comunicado final do evento, revelado pela agência Reuters. O cumprimento desse compromisso, assumido no Acordo do Clima de Paris, não só está três anos atrasado, como já é considerado insuficiente para ajudar os países pobres à altura da emergência climática.

"Nisto temos sido muito mais lentos, muito menos eficazes do que na realocação de Direitos de Saque Especiais. Todos reconhecemos que pedimos um acompanhamento muito mais próximo e operacional destes US$ 100 bilhões de financiamento climático", admitiu o francês.

De acordo com o texto final, os líderes concordaram em pedir aos bancos multilaterais de desenvolvimento para aumentar sua capacidade de financiamento para apoiar os países menos desenvolvidos, altamente endividados após a crise da Covid-19. "Esperamos um aumento geral de US$ 200 bilhões na capacidade de empréstimo dos bancos multilaterais de desenvolvimento nos próximos dez anos, otimizando seus balanços e assumindo mais riscos", afirma o comunicado, conforme a Reuters.

"Se essas reformas forem implementadas, os bancos multilaterais de desenvolvimento podem precisar de mais capital", acrescenta o texto, sugerindo que os países ricos podem ter que injetar mais liquidez.

"Nosso objetivo é claro: um mundo onde a pobreza seja eliminada e o planeta preservado; um mundo onde os países vulneráveis ??estejam mais bem equipados para lidar com as crises de mudança climática e conflito", afirmam os líderes no comunicado.

Outras vitórias foram a ajuda dos países ricos ao Senegal para ajudá-lo a tornar a sua matriz energética mais limpa e a reestruturação da dívida da Zâmbia.

Entretanto, em seus discursos, Macron não mencionou avanços para a criação de um imposto sobre o carbono no transporte marítimo internacional - que estava entre os principais objetivos dos franceses. A ideia seria direcionar os recursos para financiar a transição ecológica nos países que mais precisam. "Nós somos favoráveis porque é um setor que gera muito dinheiro e não é taxado", argumentou o presidente francês. Os Estados Unidos, porém, se opõem à medida.

ONGs criticam

Para as organizações não-governamentais que acompanharam o evento, a cúpula "fez novo do velho". Harjeet Singh, da rede internacional de ONGs Climate Action Network (CAN), criticou a ideia de uma possível suspensão dos pagamentos "em vez de um cancelamento total da dívida". Para ele, os líderes empurraram as responsabilidades para o setor privado - cobrado para participar mais dos financiamentos em benefício dos países pobres - e "ignoraram o papel fundamental que as finanças públicas devem desempenhar".

"Se basearam demais no investimento privado e atribuíram um papel desproporcional aos bancos multilaterais de desenvolvimento", lamentou.

"O que está claro é que esta cúpula não levará a nenhuma decisão vinculativa e forte", disse Soraya Fettih, porta-voz da associação ambientalista 350.org, em uma manifestação organizada na Praça da República, em Paris. Mais de 350 pessoas participaram do protesto na manhã de sexta-feira. Ativistas transformaram dólares negros gigantes em dólares verdes, para pedir aos líderes políticos que parem de investir em combustíveis fósseis, que estão entre os maiores causadores do aquecimento global.

Com AFP e Reuters