Greve em Hollywood: Entenda a batalha de artistas contra estúdios e plataformas de streaming
A indústria cinematográfica de Hollywood enfrenta a maior greve dos últimos 60 anos, depois que os atores iniciaram uma paralisação nesta sexta-feira (14) e se uniram aos roteiristas, que já estão parados há mais de dois meses. A disputa com estúdios e plataformas de streaming exige aumentos salariais.
A greve convocada pelo comitê nacional do 'Screen Actors Guild' (Sindicato dos Atores, SAG-AFTRA), dos Estados Unidos, começou à meia-noite de quinta-feira em Los Angeles (4h de sexta-feira em Brasília). Os atores reivindicam reajustes salariais e dos pagamentos que recebem pelas reexibições de suas produções, uma questão profundamente alterada em um cenário de crescimento das plataformas de streaming. Eles também pedem a regulamentação do uso da Inteligência Artificial (IA) na indústria, entre outros pontos.
Um dos principais pontos de divergência entre os sindicatos e os estúdios são os chamados pagamentos "residuais", efetuados todas as vezes que as plataformas transmitem uma produção da qual participaram. Para os atores, a fórmula deve considerar a popularidade das produções na hora de realizar a compensação. Assim, um programa com mais espectadores geraria mais pagamentos "residuais".
Mas as plataformas de streaming, como Netflix e Disney+, mantêm sob sigilo as estatísticas de visualização e oferecem a mesma tarifa por tudo o que transmitem em seus catálogos, sem considerar a popularidade.
"Historicamente, as greves em Hollywood sempre acontecem em torno dos direitos residuais, ou seja, direitos que os artistas têm a cada vez que uma produção vai de novo ao ar. Nos anos 1960, a questão foi garantir direitos quando os filmes passaram a ser exibidos também na televisão. Nos anos 1980, foi quando eles passaram para as fitas de vídeo cassete, e nos anos 2000, foi o DVD", explica à RFI Nolwenn Mingant, professora de história e cultura dos Estados Unidos na Universidade de Angers e especialista na indústria do cinema hollywoodiano.
"Não temos opção", declarou Fran Drescher, presidente do SAG-AFTRA e estrela da série "The Nanny", em um discurso enérgico para anunciar a convocação de greve contra os estúdios. "Se não fizermos isso agora, todos estaremos em apuros. Estaremos ameaçados de sermos substituídos pelas máquinas e os grandes negócios", afirmou a líder do sindicato, que reúne mais de 160 mil atores e outros profissionais do cinema e da televisão.
Queda de braço impactará produções e eventos
Ao unir suas forças, atores e roteiristas - que protestam há 11 semanas nas entradas dos estúdios com exigências similares - ameaçam paralisar por completo as produções, o que não acontecia desde 1960 em Hollywood.
A Aliança de Produtores de Cinema e Televisão (AMPTP), que representa os estúdios e as plataformas de streaming, afirmou em um comunicado que ofereceu "aumentos históricos de salário e pagamentos residuais", além de respostas a outras demandas. "Uma greve não era o que esperávamos. O sindicato, infelizmente, escolheu um caminho que vai criar dificuldades econômicas para milhares de pessoas que dependem da indústria", acrescentou.
O CEO da Disney, Bob Iger, disse à emissora de televisão CNBC na quinta-feira que as expectativas dos roteiristas e atores "não são realistas" e chamou a greve de "muito preocupante".
A paralisação dos roteiristas já havia reduzido a quantidade de filmes e programas em produção em Hollywood, mas sem atores a indústria será obrigada a parar quase por completo. Apenas alguns reality shows, programas de auditório e de entrevistas poderiam continuar no ar. As séries e outras produções de grande sucesso enfrentarão os atrasos mais imediatos, podendo ter o número de episódios por temporada reduzidos.
Já o impacto nos filmes tende a aparecer no ano que vem ou no seguinte, já que suas produções levam em média dois anos.
As estrelas também não participarão dos eventos promocionais de seus filmes. A Comic-Con, um dos principais eventos anuais da cultura pop marcado para a próxima semana em San Diego, corre o risco de não ter a presença de atores e atrizes famosos.
"Agora que as atrizes e atores entraram, acho que vai ser menos demorado. A pressão fica automaticamente muito maior e os estúdios vão tentar acelerar as negociações para não ter mais prejuízos, mas mesmo assim elas ainda devem durar várias semanas", antecipa Mingant. "Para a indústria do cinema, que ainda se recuperava do impacto da Covid, é complicado", constata a especialista.
O movimento sindical pode afetar ainda a presença dos atores da indústria americana em grandes festivais internacionais, como o de Veneza. A cerimônia do Emmy, prevista para 18 de setembro, pode ser adiada para novembro ou até mesmo para 2024.
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Além disso, tanto atores como roteiristas querem a regulamentação do uso futuro da IA na indústria, que veem como uma ameaça a seu trabalho. Nolwenn Mingant diz não acreditar em uma substituição dos atores e atrizes, mas afirma que o direito de uso da imagem, crucial neste setor, já é atingido pela inteligência artificial.
"Por exemplo, as atrizes com mais 40 anos sempre tiveram mais dificuldade em serem chamadas para filmes, então será que com a IA elas vão ser chamadas mas serão cada vez mais retocadas digitalmente? É uma questão de controle da própria imagem que está em jogo", analisa.
A greve das duas categorias confirma a crise existencial da indústria de Hollywood. Na quinta-feira, muitos atores organizaram um protesto em Nova York.
"É doloroso e necessário", declarou à AFP Jennifer Van Dyck, atriz e integrante do sindicato. "Quando o CEO da Disney recebe US$ 45 milhões e nós pedimos para receber apenas um salário decente, acredito que são eles que devem ser acusados de serem pouco razoáveis."
Com informações da AFP
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