Alta de 100% do preço do azeite espelha "mudanças dramáticas" na Europa

O aumento estratosférico do preço do azeite de oliva nos supermercados é global. Na Europa, o produto subiu 100%, impactando a economia de três grandes produtores europeus: Espanha, Itália e Grécia. A inflação não é a única responsável pela alta dos preços.

Flávio Aguiar, analista político

Recentemente, a imprensa relatava que muitos consumidores brasileiros estão espantados diante do aumento estratosférico do preço do azeite de oliva nos supermercados. Na Europa ocorre o mesmo espanto, num momento em que a espiral inflacionária corrói o poder aquisitivo dos consumidores em todos os países, notadamente o daqueles do andar de baixo da pirâmide social.

Se ultimamente a inflação dos alimentos passou dos 20% anuais na maioria dos países europeus, a do azeite de oliva foi superior aos 100%.

O impacto dessa alta na economia, e mesmo na culinária global, é pequeno. O azeite é responsável por apenas 2% do consumo de óleos comestíveis em escala mundial. A fatia maior fica com seus primos, os óleos de soja, canola, milho e girassol.

Entretanto, o peso do produto na economia dos três maiores produtores e exportadores do azeite é enorme. Espanha, Itália e Grécia são responsáveis por 66% da produção mundial. Além disto, é um elemento fundamental da economia de Portugal. 

"Ouro líquido"

Na maior produtora, a Espanha, se diz  que a região da Andaluzia está para o azeite assim como a Arábia Saudita está para o petróleo. Aliás, algum tempo atrás o litro do azeite valia em média cinco vezes o litro do petróleo; agora vale dez vezes. Na Espanha é chamado de "ouro líquido".

Qual a principal causa deste aumento vertiginoso? Produtores, técnicos e economistas são unânimes: a escassez do produto, determinada pelas prolongadas secas dos últimos tórridos verões que assolam o continente europeu. Por trás de tudo, assoma o fantasma do aquecimento global.

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Em um ano, entre 2022 e 2023, a produção de azeite caiu 20% na Europa. Os fornecedores se voltaram para produtores alternativos, como Turquia, Tunísia, Marrocos e Argélia. Mas a queda da produção e a escassez do produto impuseram limites mais rígidos às exportações destes países, em alguns casos chegando à proibição.

Se a participação do azeite de oliva na economia global e europeia é menor, o mesmo não se pode dizer de seu valor simbólico e cultural, intimamente associado à história e a civilização do continente, embora sua fonte originária seja na Ásia Menor, mais precisamente na Anatólia, cujo território pertence hoje maioritariamente à Turquia, e também na Pérsia e na Mesopotâmia.

O azeite de oliva foi largamente utilizado na Grécia e na Roma antigas, na cozinha, no tratamento do corpo e até na iluminação. Seu uso em rituais religiosos remonta a milênios antes de Cristo e foi potenciado pelo judaísmo e o cristianismo.

Hoje, além de ser utilizado em produtos cosméticos, é parte essencial da chamada "Dieta Mediterrânea", considerada a mais saudável da Europa, rica em legumes, verduras e peixes, num continente onde é frequente o abuso de gorduras, carnes vermelhas e embutidos.

Mudanças dramáticas

O caso do azeite faz parte da série de mudanças dramáticas que atingem hábitos, costumes e a paisagem física e cultural da Europa.

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Um outro exemplo: no verão europeu, ouvem-se cada vez mais crianças dizendo às mamães que não querem "ficar em casa". Por quê? Porque em grande parte da Europa as casas e os prédios foram feitos para guardar, ao invés de dissipar o calor. Resultado: na onda de calor geral, as moradias se transformam em verdadeiras saunas de grande porte.

Uma outra área onde as mudanças são perceptíveis no continente é a política. A já citada Andaluzia espanhola sempre foi considerada como um reduto da centro-esquerda, do Partido Socialista Obreiro da Espanha. Os últimos resultados eleitorais registraram a queda da sigla, em favor dos partidos de direita, o Partido Popular e o Vox, este último autoproclamado herdeiro da tradição falangista e ditatorial de Francisco Franco.

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