Presidente do Peru alega que sua coleção de Rolex é emprestada
Marcio Resende;
Correspondente da RFI em Buenos Aires
06/04/2024 09h16Atualizada em 06/04/2024 09h46
Apesar das contradições, por enquanto, Dina Boluarte não corre o risco de um impeachment porque costurou uma aliança com a maioria de direita no Parlamento peruano. A Justiça, porém, vai continuar com as investigações por enriquecimento ilícito, ocultação de documentos e lavagem de dinheiro. A oposição classifica as desculpas apresentadas pela presidente em depoimento à Justiça de "mentirosas" e "cínicas".
Depois de cinco horas de explicações na Procuradoria, a presidente do Peru, Dina Boluarte, negou que sejam seus os valiosos relógios Rolex que ela usa e garantiu que as suntuosas joias não passam de "bijuteria fina". Apesar das contradições da nova versão, a presidente pediu para "virar a página".
"Com respeito às joias, queridas irmãs e irmãos do Peru, tudo o que disseram é falso", avisou a presidente em entrevista coletiva na sede do Ministério Público, logo após ser interrogada pela Procuradoria.
A presidente peruana garante que as suas joias não valem os milhares de dólares que a imprensa divulgou. Na versão dela, as peças não passam de "pratas" e "réplicas baratas". "Viremos essa página para nos dedicarmos ao que realmente importa da agenda nacional", pediu.
O amigo dos Rolex
Quanto aos diversos relógios Rolex, todos pertencem a um amigo da presidente, o governador da região sulista de Ayacucho, Wilfredo Oscorima. "Devo reconhecer que foi um equívoco aceitar na forma de empréstimos que já foram devolvidos", alegou Dina Boluarte. Segundo a presidente, o governador queria que, com os relógios emprestados, ela "representasse bem o país".
Dina Boluarte só não explicou por que o seu amigo governador disse nesta semana que um dos relógios Rolex não era para a presidente, mas para um parente.
A Procuradoria trabalha com a hipótese de corrupção e lavagem de dinheiro. Investiga a "relação amistosa" de governadores que teriam comprado relógios Rolex para a presidente em troca de favores políticos.
O governador de Ayacucho, Wilfredo Oscorima, comprou um relógio de US$ 19 mil no dia do aniversário da presidente, em 31 de maio do ano passado e, horas depois, o governador foi até a sede da Presidência. Em março, o governador recebeu uma transferência de US$ 27 milhões para construir um estádio.
Oscorima reconheceu, na quinta-feira (4), que comprou o relógio, mas disse que presenteou um parente. O primeiro-ministro peruano, Gustavo Adrianzén, disse que tudo isso não passa de uma "infeliz coincidência".
Patrimônio sob suspeita
Wilfredo Oscorima tem um histórico de corrupção. Em 2015, foi condenado a cinco anos de prisão por corrupção. Ficou foragido durante nove meses e tentou subornar os policiais que o prenderam. Em 2017, foi absolvido e recuperou o cargo de governador. Os processos por corrupção, no entanto, continuam.
A presidente também é investigada por um aumento não explicado de US$ 120 mil no seu patrimônio financeiro e por depósitos por um total de US$ 300 mil nas suas contas bancárias.
Silêncios e contradições
Perguntada por que demorou três semanas para dar explicações, desde a publicação das denúncias pela plataforma "La Encerrona", Dina Boluarte respondeu que foi orientada pelo seu advogado a só falar com a imprensa depois de prestar esclarecimentos à Justiça.
Dias atrás, a presidente tinha dado uma primeira versão sobre um dos Rolex de ouro e brilhantes. Disse que era "antigo" e que "tinha sido comprado com o esforço do seu trabalho desde os 18 anos de idade". Porém, na nova versão, o relógio foi emprestado. "Eu falava de outro relógio que comprei há dois anos em Davos", desconversou.
Os legisladores da oposição classificaram as explicações de Dina Boluarte como "mentirosas" e "cínicas". Ela também enfrentou uma onda de demissões de ministros do governo.
A legisladora de esquerda Ruth Luque considerou a presidente Boluarte "uma presidente mentirosa" que "pensa que os peruanos são tontos para acreditar numa história como essa".
Já o congressista independente Carlos Anderson viu na nova versão da presidente "um grande cinismo" porque "trata os peruanos como idiotas". "Com esse grau de incapacidade moral, ela não pode continuar a governar", concluiu Anderson.
Cumplicidade parlamentar
Dina Boluarte foi eleita vice-presidente pela esquerda na chapa do ex-presidente Pedro Castillo (2021-2022). Com a destituição de Castillo, Boluarte assumiu o cargo, sem substituto e sem bancada própria. Se for destituída, o presidente do Parlamento tem de convocar eleições gerais, levando todos os legisladores a perderem os seus cargos. A maioria de direita, por instinto de sobrevivência política, é contra a destituição de Dina Boluarte, garantindo-lhe o cargo. Em troca, Boluarte cede o controle do governo aos aliados. Ela agradeceu essa proteção parlamentar que, na quinta-feira (4), rejeitou dois pedidos de impeachment por parte da oposição.
"Aproveito para agradecer ao Congresso por ter negado dois pedidos absurdos de destituição", destacou a presidente que tem apenas 10% de popularidade.