Extrema direita "desinibida": ong alerta para aumento de atos racistas na França

A nova presidente da ong Anistia Internacional na França, Anne Savinel-Barras, alertou para os riscos de violação dos direitos humanos" em caso de vitória do partido Reunião Nacional (RN) nas eleições legislativas, em entrevista nesta segunda-feira (24), na rádio pública France Bleu. Em meio à campanha, o número de atos violentos de grupos de ultra direita e de denúncias de racismo aumentam.  

"Denunciamos discursos racistas e estigmatizantes, particularmente contra estrangeiros e/ou pessoas não brancas, fazemos um apelo realmente à tomada de consciência da ameaça que pesa sobre o Estado de direito aqui, e afirmamos que a França realmente tem um papel a desempenhar na afirmação do direito internacional e a sua importância para garantir a liberdade a todos", afirmou.

Anne Savinel-Barras lembra que em seus princípios fundadores, a Anistia é "independente e imparcial". "Trata-se de denunciar os direitos humanos violados, mas também de alertar sobre os riscos de violações dos direitos humanos", acrescenta. 

"Hoje estamos nas ruas para pedir o voto pelos direitos humanos", declara. Ela também pede que sejam respeitados "os direitos dos refugiados. Essas pessoas também têm uma história e também têm direitos".

Desde o sucesso obtido pelo partido de extrema direita Reunião Nacional (RN) nas eleições europeias, em 9 de junho, os grupos nacionalistas multiplicaram suas demonstrações públicas em diversas cidades franceses, muitas vezes terminando em violência. 

Uma manifestação em Lyon, no sudeste da França, onde os manifestantes gritaram frases com "Somos nazistas", "A França para os franceses", acabou com agressões aos passantes. Em Paris, uma comemoração da vitória de Jorndan Bardella nas eleições europeias acabou em uma agressão homofóbica. Estes acontecimentos revelam que, com os resultados das pesquisas de intenção de voto, que mostram o crescimento da extrema direita nas eleições legislativas, os grupos ultranacionaistas e neonazistas estão mais fortalecidos do que nunca. 

Em canais do Telegram, grupos de extrema direita como "Division Aryenne Française" ou "Canal Natio" difundem listas com os locais das manifestações anti-RN. Os membros convocam "pancadarias" e incitam os militantes a atacarem os protestos que chamam "esquerdistas", para "defender nossa bandeira, nosso país, nossa pátria". Alguns divulgam vídeos de violências parabenizando os autores e outros dão conselhos para melhor atacar os adversários. "Se infiltrem na multidão, esperem o final da manifestação, sigam um grupo até um local sem câmeras e cuidem deles", diz um deles. 

Desinibição 

Essa desinibição da extrema direita pode ser explicada, segundo o diretor de estudos no instituto de pesquisas Odoxa, Erwan Lestrohan, pela "excessiva mobilização do eleitorado do Reunião Nacional", o que parece ser interpretado como um sinal verde para suas ações, ou mesmo para sua própria existência. 

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Ainda que o fenômeno permaneça "pouco medido", é impossível ignorar que as ideias nacionalistas, legitimadas pelas urnas, estão se tornando mais aceitáveis.

Xavier Crettiez, cientista político membro do Observatório de Radicalidades Políticas, fala mesmo em "efeito de enquadramento". "Quando há ação coletiva violenta, ela deve, para ocorrer, ser enquadrada e ressoar com um enquadramento dominante", explica. "Este enquadramento dominante, veiculado pelo RN, transmite uma mensagem que estaria centrada numa ameaça migratória, num perigo vindo do exterior, numa recusa da alteridade e num desejo de isolamento nacional", aponta o especialista, que lembra que a década de 1930, que viu a ascensão do nacionalismo radical na França, também experimentou uma "miliciarização das ruas" e um aumento de ações violentas.

Ainda que os pequenos grupos neonazistas beneficiem do sucesso eleitoral do RN, eles não estão totalmente satisfeitos com sua proposta política. Acusado de ser "burguês" ou mesmo "de esquerda", a sigla é por vezes descrita como um "partido do sistema" devido a sua "política de desdemonização" para ganhar o poder.

"Não são aliados objetivos do Reunião Nacional, pelo contrário, tentam competir com ele e obrigá-lo a ser firme, representando uma parte radical", resume Xavier Crettiez. 

Um grupo que muitas vezes incomoda o RN. Jordan Bardella prometeu, quarta-feira (19), dissolver todas as "organizações de ultradireita e ultraesquerda", caso se torne primeiro-ministro.

Racismo ordinário em voga

Uma reportagem veiculada pelo canal de tevê France 2 na semana passada sobre o comportamento dos eleitores de extrema direita durante a campanha causou reações da classe política francesa. 

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Na reportagem, uma mulher negra, Divine Kinkela, denuncia o racismo de seus vizinhos militantes do RN. Desde as eleições europeias, a profissional de saúde, que vive na França há 30 anos, diz ser alvo de insultos da parte de seus vizinhos. 

"É como se a eleição tivesse liberado o verbo", diz Kinkela na reportagem, afirmando ter sido chamada de "bonobo", um tipo de chimpanzé, e que seus vizinhos imitam "sons de macacos". 

Nas imagens divulgadas na quinta-feira, o casal de vizinhos é questionado pela repórter sobre o comportamento. Eles respondem dizendo a Kinkela para que "vá para o canil" e que "estamos em nosso país". 

"Racismo ordinário incentivado pela ascensão do RN. Divine é um cuidadora. Talvez ela cuide de nós um dia. Portanto, ela não só está em casa, mas: obrigado, senhora, pela sua dignidade", escreveu o primeiro secretário do Partido Socialista, Olivier Faure. 

"O racismo não é uma opinião, é um crime", lembrou o deputado Antoine Léaument do partido de esquerda radical França Insubmissa. "Esses dois racistas estão envergonhando a nossa bandeira. A extrema direita está destruindo nosso país. Senhora, pode apresentar queixa", disse por sua vez o candidato do mesmo partido, Damien Maudet.

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Um dos agressores trabalha no tribunal da cidade de Montargis, cidade a 125 km ao sul de Paris.

O ministro da Justiça francês, Eric Dupond-Moretti, anunciou sábado no X que tinha "pedido aos magistrados do Tribunal de Recurso de Orléans um relatório imediato com vista à suspensão cautelar" do funcionário. Ele descreveu os comentários feitos como "absolutamente inaceitáveis".

O deputado do RN, Thomas Ménage, garantiu no sábado à France 2 que contatou a Autoridade Reguladora da Comunicação Audiovisual (Arcom). Ele acusa o programa de ter ocultado o fato de Kinkela ser, segundo ele, "uma ativista do Partido Comunista".

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