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"Eu queria matar Cristina Kirchner", diz Fernando Montiel, o brasileiro que se julga um "justiceiro social"

27/06/2024 15h01

O brasileiro Fernando Andrés Sabag Montiel, de 37 anos, falou abertamente durante três horas no primeiro dia do julgamento pela tentativa de homicídio, revelando detalhes, sentimentos e motivações que o levaram a tentar matar a ex-presidente Cristina Kirchner num atentado, então classificado como "um ataque à democracia" que comoveu o país.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

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No primeiro dia de julgamento, o brasileiro Fernando Sabag Montiel assumiu toda a culpa pelo atentado, isentando os outros dois acusados, a então namorada Brenda Uliarte e o colega de trabalho Nicolás Carrizo, e definindo-se como "um zé ninguém que tentou fazer com as próprias mãos o que a Justiça não fez".

Fernando disse que é "apolítico" e que "a motivação foi pessoal". Explicou que "queria fazer um favor à sociedade" porque "Cristina Kirchner é uma ladra que destruiu a economia do país" e disse ser consciente de que, se tivesse conseguido, "teria provocado uma desestabilização no país, uma temida guerra civil".

"A clara intenção era matar Cristina Kirchner", admitiu sem rodeios. "Eu queria matá-la e Brenda Uliarte queria que ela morresse", esclareceu numa tentativa de inocentar a ex-companheira, agora com 24 anos.

Fernando Montiel disse ser "o resultado de uma Justiça que não funciona" ou, pelo menos, "parte da Justiça" que não condenava Cristina Kirchner por corrupção.

"Acredito que tenha sido um ato de justiça. Não foi um ato no qual eu procurei me favorecer economicamente. Tem uma conotação mais profunda, mais ética e mais comprometida com o bem social", explicou, acrescentando que "é por culpa da Justiça que Cristina Kirchner está livre, que as coisas no país não sejam feitas corretamente".

"Eu sou o resultado ou o fator de muitas falhas da Justiça porque uma parte da Justiça argentina não funciona. Pago o preço daquilo que outros não fizeram", afirmou.

"É preciso vir um 'zé ninguém' para lhes dizer que parem", concluiu sobre si mesmo.

Justiça pelas próprias mãos

O brasileiro negou ter ideologia, definindo-se como "apolítico". "As bases ou o incentivo pelos quais cometi o atentado não foram por ter uma posição nas antípodas do 'kirchnerismo' nem por estar num setor contrário", garantiu.

Sobre a sua motivação pessoal, descreveu que "foram questões de incomodidade com o estabelecido".

"Sobre a pessoa de Cristina Kirchner, não gosto. É corrupta, rouba, provoca danos na sociedade", classificou, dando um exemplo pessoal: "Eu me senti humilhado. Passei de ser uma pessoa com uma boa situação econômica a um vendedor de algodão-doce", comparou.

Gangue do algodão-doce

Quanto à namorada, Brenda Uliarte, quem o acompanhou até o local do atentado, Fernando Montiel disse: "Ela queria mais ser uma espectadora do que uma partícipe".

"Ela escutou as minhas ideias, o que eu queria fazer e até onde queria chegar. Ela dividiu comigo, mas ela não tinha tanta certeza do que eu poderia fazer. Talvez ela tenha encarado como uma brincadeira ou como uma mostra de valentia; não como algo sério", interpretou.

"Mas não houve um freio, dizendo que não fizéssemos porque poderíamos ser presos. Teria sido bom se ela me tivesse freado", refletiu.

Quanto ao terceiro acusado, Nicolás Carrizo, Fernando Montiel descartou o seu envolvimento. "Eu jamais lhe contei o que ia fazer. Só tinha uma relação de trabalho", separou.

O tiro que não saiu

No dia primeiro de setembro de 2022, por volta das 21 horas, a ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015), voltava para casa. Milhares de simpatizantes a esperavam para expressar apoio à então vice-presidente (2019-2023) num momento no qual ela era julgada por corrupção.

Cristina Kirchner foi condenada em primeira instância três meses depois, mas naquele dia sofreu um atentado.

Fernando Sapag Montiel ficou a menos de um metro do alvo ("Foram cerca de 30 centímetros", disse), apontou uma arma para a cabeça de Cristina Kirchner e apertou o gatilho, mas o tiro não saiu. No nervosismo, Fernando se esqueceu de carregar a arma.

"Foi um ato contra a minha vontade porque na hora senti que não queria fazer aquilo, mas tinha de fazer", descreveu no primeiro dia de julgamento.

Quase dois anos depois, começou o julgamento dos três acusados de participarem do atentado.

Brenda Uliarte é acusada de ser coautora e Nicolás Carrizo, coordenador do atentado.

Os três tinham empreendido um negócio de venda de algodão-doce que servia como fachada para se aproximar de Cristina Kirchner. Nicolás era o dono da máquina de fazer o doce. Fernando e Brenda vendiam. Ganharam o título de "a gangue do algodão-doce".

Brenda era namorada de Fernando, que trabalhava também como motorista.

Fernando nasceu em São Paulo em 13 de janeiro de 1987, mas mal fala português. É filho de uma argentina e de um chileno. Em 2021, o pai foi expulso do Brasil após repetidos roubos.

Quando Fernando tinha seis anos, mãe e filho vieram para Buenos Aires.

Cristina Kirchner vê motivações ideológicas

Pelos próximos meses, todas as quartas-feiras, 277 testemunhas serão ouvidas, inclusive a própria Cristina Kirchner.

Não há dúvidas quanto à culpa de Fernando, mas a Justiça quer esclarecer a motivação e o papel dos demais acusados. Para a Promotoria, os acusados não pertenciam a nenhuma organização política.

Mas a ex-presidente Cristina Kirchner defende que havia por trás um esquema motivado e financiado por forças da direita.

Na polarização argentina, quem é contra Cristina Kirchner, acha que ela se faz de vítima de uma perseguição política. Quem é a favor, acredita numa conspiração ideológica que tentou matar a ex-presidente.

Fernando disse que se tivesse conseguido matar a ex-presidente, "teria provocado uma desestabilização no país, uma temida guerra civil".

Perguntado se estava arrependido, o brasileiro respondeu: "Eu me sentiria mais arrependido se tivesse acontecido, talvez".

A sentença só deve sair dentro de seis meses a um ano.

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