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Médico de ex-presidente da Argentina é testemunha-chave no caso de agressões contra ex-primeira-dama

Alberto Fernández é suspeito de maus tratos contra Fabiola Yañez Imagem: Reprodução/YouTube

05/09/2024 08h22Atualizada em 05/09/2024 09h01

O Ministério Público da Argentina preparou uma lista de cem perguntas para o Dr. Federico Saavedra, responsável pela Unidade Médica Presidencial, cujo testemunho é aguardado com expectativa, nesta quinta-feira (5), para desvendar um dos nove episódios de violência de gênero investigados pela Justiça contra o ex-presidente Alberto Fernández. A sociedade argentina tem vivido semanas de espanto com os relatos de agressões e com uma lista crescente de supostas amantes do ex-chefe de Estado.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

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O médico Federico Saavedra, ex-responsável pela Unidade Médica Presidencial da Argentina, irá prestar seu depoimento na manhã desta quinta-feira como testemunha no tribunal que investiga a denúncia de violência de gênero do ex-presidente Alberto Fernández contra a então primeira-dama, Fabiola Yañez. É esperado que o testemunho deva se estender durante várias horas na corte argentina.

A declaração é considerada crucial porque, além de ter sido o responsável pela Unidade Médica Presidencial, Federico Saavedra teria atendido a ex-primeira-dama no episódio mais grave de violência física sofrido, no qual Fabiola Yañez aparece em uma foto com o olho direito roxo, supostamente como consequência de um soco de Alberto Fernández no dia 11 ou 12 de agosto de 2021. Fabiola Yañez alega que Federico Saavedra lhe receitou glóbulos de arnica, uma planta usada no tratamento de inflamações. Segundo a vítima, o médico soube do motivo para o olho estar inflamado, mas preferiu não se aprofundar na questão.

"O soco no olho aconteceu na cama em Olivos [residência presidencial no município de Olivos]. Tínhamos discutido muito, como já era habitual e, para acabar com a discussão, ele me bateu, virando do seu lado da cama para o meu com um soco terrível. Gritei: 'o que você me fez?', mas ele não disse nada. Virou-se e, com esse soco, terminou a discussão", descreveu Fabiola Yañez à Justiça no ano passado.

"Chamamos o Dr. Federico Saavedra, chefe da Unidade Médica Presidencial, quem me deu glóbulos de arnica. Fui obrigada a não sair de casa para que ninguém me visse", declarou ela. Fabiola já estava grávida do filho Francisco, que nasceu em abril de 2022, penúltimo ano do mandato presidencial de Fernández. A gravidez não impediu que os episódios de violência física continuassem.

Estratégias de cada lado

A defesa de Alberto Fernández garante que o roxo no olho de Fabiola Yañez é fruto de um tratamento estético e que as marcas no corpo são consequências de quedas de uma pessoa com transtornos psiquiátricos e com problemas de alcoolismo.

Durante o testemunho, a acusação deve apresentar provas de que a vítima foi atendida por agressões físicas. Apesar de que, nos registros oficiais, não se encontra visível a visita do Dr. Saavedra à residência presidencial, em agosto de 2021.

Mas o tratamento por glóbulos de arnica aparece nos registros médicos da residência presidencial, algo que a acusação usa para mostrar a veracidade da denúncia. Mas nos registros não consta que o motivo da receita tenha sido por agressão física, e sim por tratamento estético. Este detalhe é um ponto favorável à defesa do ex-presidente para demonstrar que não houve violência. Essa aparente contradição é um dos pontos a serem esclarecidos pelo testemunho do ex-médico da Presidência argentina.

Federico Saavedra é considerado uma testemunha-chave nas investigações por lesões leves e graves, duplamente agravadas pelo vínculo entre a ex-primeira-dama, Fabiola Yañez, e o ex-presidente, Alberto Fernández. São nove episódios de violência investigados pela Justiça. Além da violência de gênero, Alberto Fernández está indiciado por abuso de poder e de autoridade, além de ameaças.

Se o médico mentir, pode ser denunciado por falso testemunho. Porém, se ele admitir que sabia o que acontecia, pode se autoincriminar por não ter denunciado a situação de violência de gênero. Federico Saavedra é médico de Alberto Fernández há 15 anos.

Próximos passos

Os próximos passos vão acontecer na próxima semana. Na terça-feira (10), a esteticista da ex-primeira-dama, indicada pela acusação, deve testemunhar que as marcas pelo corpo da sua cliente eram por agressões físicas.

Já na quinta-feira (12), haverá outra testemunha importante: Sofia Pacchi, uma ex-amiga e ex-assessora de Fabiola Yañez. Sofia pode esclarecer o caso do olho roxo, pois segundo a ex-primeira-dama, a lesão foi causada por um soco depois que ela descobriu mensagens de Alberto Fernández para Sofia Pacchi, nas quais o ex-presidente tentava conquistar a amiga.

Alberto Fernández apresentou históricos médicos e cadernos com anotações pessoais da ex-mulher. Os apontamentos seriam do período em que Fabiola Yañez era paciente de um instituto de neurologia cognitiva. Fernández procura estabelecer que a ex-mulher tinha desequilíbrios mentais.

A ex-primeira-dama não nega que tenha sido uma paciente psiquiátrica entre 2016 e 2018, mas diz que foi como consequência de ter sido induzida pelo ex-presidente a abortar em 2016, três anos antes de Alberto Fernández se tornar presidente. Fabiola Yañez também admitiu que, por esse mesmo motivo, teve problemas com o consumo de álcool.

Mas se for comprovado que Fabiola Yañez era alcoólatra, Alberto Fernández pode ser acusado de abandono de pessoa por ter deixado a ex-mulher sem os devidos cuidados com o filho recém-nascido deles. E, se ela tinha um desequilíbrio mental, isso também pode se tornar um agravante, caso as agressões físicas sejam comprovadas.

Impacto político

Alguns analistas políticos acreditam que o governo do presidente Javier Milei se beneficia pelo escândalo. Isso porque a denúncia que deixa a sociedade argentina estarrecida desvia o foco das atenções sobre o governo. Por outro lado, Alberto Fernández como peronista, afunda a imagem do Peronismo, dificultando que a oposição se articule com credibilidade.

Segundo o consultor em opinião pública, Jorge Giacobbe, em abril de 2020, no auge da pandemia, o ex-presidente tinha 68% de imagem positiva. No final do seu mandato em dezembro do ano passado, Alberto Fernández tinha apenas 8% de imagem positiva.

"É uma dramática queda de 60 pontos, nunca antes vista na história da Argentina. É um caso incrível para ser estudado", destaca Jorge Giacobbe à RFI.

Com os escândalos de suposta violência de gênero e de uma lista de supostas amantes, Alberto Fernández tem agora apenas 3,3% de imagem positiva. Se aplicada a margem de erro de 2%, a popularidade do ex-presidente pode ficar próxima de zero.

"Alberto Fernández já estava politicamente morto quando ainda era presidente. Todos o tinham abandonado. Agora, todos chutam um cadáver político", observa Giacobbe.

Argentinos não estão convencidos

Mas a sociedade argentina não compra fácil a inocência da ex-primeira-dama. Os entrevistados por Jorge Giacobbe definem Fabiola Yañez como "vítima", mas também como "mentirosa" e "oportunista". "A sociedade a vê como vítima da violência física e psicológica de Alberto Fernández, mas não a vê como vítima por ter se beneficiado do poder. Também não perdoam a 'festa de Olivos'. Então, Fabiola Yañez é vista como vítima e como vitimária ao mesmo tempo", compara Giacobbe.

Em 14 de julho de 2020, a Argentina vivia aquela que seria a mais extensa e estrita quarentena do mundo no contexto da pandemia de Covid-19. Porém, enquanto os argentinos estavam confinados, proibidos até de se despedirem de parentes vítimas do vírus, o casal presidencial realizou uma festa de comemoração por ocasião do aniversário de Fabiola Yañez. A chamada "Festa de Olivos" é o ponto de inflexão na queda da popularidade de Alberto Fernández.

O consultor não acredita que o caso beneficie Javier Milei. Para o especialista, a sociedade separa bem as situações. Prova disso é que a imagem positiva de Javier Milei caiu de 58,7% em maio a 45,2% agora (junho, 54,7%; julho, 48,3%), são 13,5 pontos abaixo, devido à crise econômica.

"A oposição não está nem melhor, nem pior do que antes do escândalo. Uma coisa é este escândalo entreter a sociedade; outra coisa é que os distraia. [Logo, o caso] entretém, mas não distrai", opina Giacobbe.

Outra prova de que a oposição não conseguiu captar o descontentamento com o governo é que o número daqueles que julgam o governo Milei como regular era de 4,8% em maio; agora pulou para 13,4%. A maior parte dos que deixaram de ter uma imagem positiva do governo, não necessariamente passaram a ter uma negativa, que subiu 5,5 pontos.

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