Extrema direita vira fiel da balança do novo governo francês

Vinte e quatro horas após a nomeação do conservador Michel Barnier à frente do novo governo francês, a avaliação de analistas políticos é unânime: a extrema direita está em posição de força para arbitrar por quanto tempo o primeiro-ministro escolhido pelo presidente Emmanuel Macron ficará no poder.

Apesar dos 73 anos de idade e 50 anos de carreira política - Michel Barnier foi quatro vezes ministro, deputado, senador, entre outros cargos públicos -, ele é um político de direita da velha guarda, associado ao gaullismo e à geração de Jacques Chirac. Reportagens realizadas nas ruas nesta sexta-feira (6) mostram que o político é um desconhecido para a maioria dos franceses.

Nos últimos anos, ele trabalhou em Bruxelas, como principal negociador da saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit). Foi bem-sucedido e deixou boa impressão. Barnier tem uma qualidade que a maioria das pessoas que trabalharam com ele reconhece: é um homem aberto ao diálogo com todas as forças políticas. Em uma de suas primeiras declarações, afirmou que tem liberdade de manobra e vai utilizar esse trânsito para formar um governo.  

Na França, para quem se lembra, Barnier deixou um bom legado quando foi ministro do Meio Ambiente no governo socialista do ex-presidente François Mitterand, mas é acima de tudo um político com convicções de direita: é a favor de medidas duras na área de imigração, do controle de gastos públicos e é controverso em relação a minorias. Nos anos 1980, Barnier votou contra a descriminalização da homossexualidade. 

O maior obstáculo que ele enfrenta desde a largada é o de estar ligado a uma bancada de 47 deputados na Assembleia, ou seja totalmente minoritária. 

Mas por que Macron acabou escolhendo um chefe de governo tão vulnerável?   

O presidente vetou há alguns dias uma primeira-ministra indicada pela Nova Frente Popular, de esquerda, coligação que elegeu o maior número de deputados na Assembleia, 193 ao todo - longe da maioria de 289, mas ainda assim a maior bancada do plenário de 577 parlamentares. 

O que Macron não admitia, e estabeleceu como linha vermelha, era ter um governo de oposição que propusesse um programa na antítese da política liberal que ele aplica. A esquerda, e também a extrema direita, querem revogar a reforma da Previdência, para restabelecer a idade de aposentadoria aos 60 anos, e não mais aos 64 anos, como foi aprovado no ano passado após meses de protestos dos franceses.   

A França acumula € 3 trilhões de dívida pública, 5,6% de déficit em 2024, e a estratégia da esquerda para sanear as contas inclui medidas consideradas custosas por economistas: aumento generalizado de salários, indexados à inflação, mais investimentos na saúde - que, de fato, precisa -, mas também educação, que já é o maior posto de despesa do orçamento. Prega ainda maior tributação das empresas e retorno do imposto sobre a fortuna, que Macron enterrou.

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O presidente defende o inverso: diminuir a carga fiscal das empresas, que é uma das mais altas da Europa, e estimular a criação de empregos. A prioridade do chefe de Estado era preservar seu legado político.

Refém de Marine Le Pen

Antes de se voltar para a direita, Macron tentou rachar a frente de esquerda, já que uma ala do Partido Socialista sinalizou que desejava voltar a ser um partido de governo. Porém, sem garantias sobre a manutenção da idade mínima de aposentadoria aos 64 anos, o Palácio do Eliseu acabou cedendo para a direita e a extrema direita.

Na prática, o novo governo tornou-se refém da boa vontade de Marine Le Pen, que aceitou esperar para ver as medidas propostas por Michel Barnier antes de votar uma moção de censura ao novo chefe de Governo na Assembleia. 

Políticas de segurança duras com imigrantes e criminosos e cortes nos gastos públicos, desde que preservadas algumas medidas para favorecer o poder aquisitivo do eleitorado pobre que elegeu 126 deputados de extrema direita, podem acomodar os interesses de Macron e de Marine Le Pen.

Com um primeiro-ministro conservador, Macron aposta numa relativa continuidade e estaria disposto a aceitar uma certa dose de austeridade, que ele evitou até agora, para cumprir as exigências do pacto de estabilidade europeu. Os debates parlamentares sobre o orçamento serão a prova de fogo do novo governo, a partir de 1° de outubro.

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Macron pediu a Barnier que formasse a coalizão de governo mais ampla possível. Ainda não dá para saber se dos atuais ministros demissionários, algum ficará no novo gabinete. Provavelmente, a direita republicana, e figuras próximas do ex-presidente Nicolas Sarkozy, devem ganhar alguns ministérios. Barnier já se reuniu nesta sexta com vários caciques da direita para ouvir suas "condições".

O partido de Macron e seus aliados de centro contam com 166 deputados e devem continuar a pesar no novo governo. A expectativa do presidente é que Barnier consiga atrair socialistas, o que parece difícil, mas não impossível. O pior que poderia acontecer, depois do erro que foi a dissolução da Assembleia, é que o novo governo tenha algum político próximo de Marine Le Pen.

Uma das condições que ela impôs para não censurar Barnier logo de início foi que ele incluísse em seu discurso de política geral uma reforma eleitoral para adoção do voto proporcional. No sistema distrital, em vigor atualmente, o partido de Marine Le Pen foi o mais votado do país, mas por um jogo de alianças e conchavos no Parlamento, a sigla acabou sendo excluída da mesa diretora da Assembleia e das principais comissões da Casa.

Há anos, existe este debate se não estaria na hora de a França adotar uma dose de proporcionalidade nas eleições para ter uma representação mais democrática e calcada no voto dos eleitores.

Protestos no sábado

Há vários dias, desde que Macron descartou a nomeação de uma chefe de governo da esquerda, a Nova Frente Popular tinha convocado para este sábado (6) protestos em todo o país, com a palavra de ordem "mobilização, censura e destituição", em referência à petição que circula na Assembleia propondo o impeachement de Macron - no momento, algo totalmente inviável.

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Estão previstas 127 manifestações em todo o país, para denunciar o que a esquerda chama de "crise de regime" e "golpe contra os eleitores". 

Entretanto, com a nomeação de Barnier, o Partido Socialista disse que não irá participar das manifestações. Vão para a rua, na véspera do encerramento dos Jogos Paralímpicos de Paris 2024, militantes da França Insubmissa (LFI), o partido de esquerda radical fundado por Jean-Luc Mélenchon, ecologistas e comunistas integrantes da coligação. 

Os principais sindicatos de trabalhadores deixaram seus militantes livres para participar, mas já tinham uma greve marcada para 1° de outubro, que é o dia em que a Assembleia retorna do recesso. 

As negociações para a conclusão do ministério podem durar uma semana.

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