ONU denuncia 'exercício arbitrário do poder' na Venezuela para sufocar oposição
"Um plano" para sufocar qualquer tipo de oposição. Foi desta forma que especialistas da ONU denunciaram nesta terça-feira (17) o "exercício arbitrário" do poder na Venezuela. Um relatório elaborado pelo grupo aponta que o país é palco de violação dos direitos humanos e crimes contra a humanidade.
A missão das Nações Unidas analisou o período entre setembro de 2023 e agosto de 2024 para a elaboração de um relatório que aponta para a intensificação da repressão no país, que atinge "níveis de violência sem precedentes". Segundo a presidente do grupo de especialistas, Marta Valiñas, as irregularidades são orquestradas pelas maiores autoridades civis e militares do país, "inclusive pelo presidente Maduro".
"Estamos testemunhando uma intensificação da máquina repressiva do Estado em resposta ao que se percebe como visões críticas, oposição ou dissidência", disse Marta Valiñas, presidente da Missão de Apuração de Fatos. "Embora esta seja uma continuação de padrões anteriores que a missão já caracterizou como crimes contra a humanidade, a repressão recente, devido à sua intensidade e natureza sistemática, representa um ataque muito grave aos direitos fundamentais do povo venezuelano", completou.
O relatório afirma que a resposta repressiva do Estado às manifestações contestando o resultado das eleições presidenciais do final de julho significou uma nova etapa na deterioração do Estado de direito. Os protestos terminaram com 27 mortos e 192 feridos, além de quase 2.400 pessoas detidas, segundo fontes oficiais.
Os países da União Europeia não reconheceram um vencedor nas eleições presidenciais venezuelanas. O governo dos Estados Unidos expressou apoio ao candidato opositor Edmundo González Urrutia. Ameaçado de prisão em seu país, González Urrutia viajou para a Espanha, onde recebeu asilo político.
Missão da ONU na Venezuela
Em setembro de 2019, a ONU ampliou o monitoramento da situação no país, depois que o Conselho de Direitos Humanos criou a Missão Internacional Independente de Apuração de Fatos sobre a República Bolivariana da Venezuela. Caracas sempre se recusou a cooperar com a missão de especialistas.
Para elaborar o relatório, que cobre o período de 1º de setembro de 2023 a 31 de agosto de 2024, os especialistas da ONU entrevistaram, à distância ou de forma presencial, 383 pessoas e consultaram dezenas de documentos.
Segundo o documento, as violações "não são atos isolados ou aleatórios, e sim parte de um plano contínuo e coordenado para silenciar, desanimar e reprimir a oposição ao governo do presidente Nicolás Maduro". "A missão tem motivos razoáveis para acreditar que o crime de perseguição por motivos políticos foi cometido durante o período coberto por seu mandato", conclui o relatório.
Para Francisco Cox, um dos integrantes da missão da ONU, grande parte da população venezuelana é vítima deste exercício arbitrário do poder, "onde a detenção arbitrária é sistematicamente utilizada, com graves violações". "A missão já havia alertado que o governo poderia ativar o aparato repressivo à vontade. E é justamente isso que estamos observando agora", acrescentou.
Outra integrante do grupo, Patricia Tappatá, afirmou que "o plano e a política repressiva do governo foram direcionados contra indivíduos que ousaram criticar o presidente Maduro [...] ou protestar contra os resultados eleitorais". Ela destacou que as autoridades atuaram "especialmente contra membros da oposição política ou [...] percebidos como opositores". No entanto, "qualquer pessoa poderia ser vítima", acrescentou.
Fim do mandato
Os especialistas deverão apresentar o seu relatório na sexta-feira (20) ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. O mandato deste grupo deve então terminar, mas um grupo de países (Chile, Argentina, Canadá, Equador, Guatemala e Paraguai) anunciou um projeto de resolução para solicitar a sua renovação.
A missão da ONU não é a única a investigar o governo da Venezuela. O Tribunal Penal Internacional (TPI) investiga há vários anos supostos crimes contra a humanidade cometidos por Caracas em 2017 durante protestos da oposição, durante os quais mais de uma centena de pessoas foram mortas.
(Com informações da AFP)