Moldavos votam para presidência e referendo sobre futura adesão à UE sob temor de ingerência russa
Eleitores da Moldávia votam neste domingo (20) no primeiro turno das presidenciais para decidir se continuam ou não o caminho de aproximação da União Europeia. A presidente Maia Sandu, que se voltou para o bloco europeu desde que a vizinha Ucrânia foi invadida pela Rússia, é a favorita à reeleição, mas há temores de interferência russa no pleito. Simultaneamente, acontece um referendo para determinar a inclusão do plano de ingressar na UE na Constituição moldava, uma antiga república soviética.
Daniel Vallot, enviado especial da RFI a Chisinau
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Com 36% de intenções de voto, a economista Maia Sandu, de 52 anos, disputa a reeleição contra dez adversários, a maioria deles mais ou menos próximos da Rússia, apesar de apresentarem discursos de "neutralidade". Alguns falam russo, além do idioma oficial do país, o romeno. Atrás de Sandu, Alexandr Stoianoglo, um ex-procurador de 57 anos apoiado pelos socialistas pró-Rússia, tem 9% de intenções de voto, enquanto Renato Usatii, ex-presidente da Câmara de Balti, a segunda cidade da Moldávia, reúne apenas 6,4%, segundo as sondagens.
Desde o fim da ex-União Soviética (URSS) e da independência da Moldávia, em agosto de 1991, nunca uma votação teve tanta importância para este país do leste europeu. Há vários anos, os moldavos estão divididos entre permanecer sob a influência russa e as aspirações pró-europeias de uma parte da população.
Se o "sim" for bem sucedido no referendo, o objetivo de adesão à União Europeia será inscrito na Constituição e os pró-europeus sairão fortalecidos diante de grupos que defendem a neutralidade do país e até um retorno a relações privilegiadas com Moscou.
"Em 30 anos de independência, as coisas não mudaram muito no nosso país", aponta Vitaly, um engenheiro de 49 anos que se preparava para votar "sim" no referendo. "A nossa democracia é frágil e espero que isso mude com a ajuda da União Europeia", disse.
A mesma percepção é compartilhada por Dora, uma aposentada que luta para sobreviver. "Com a minha pensão recebo o equivalente a cerca de 135 euros (827 reais). Você vê os preços nas lojas? Talvez com a Europa as coisas melhorem!", afirmou à reportagem da RFI.
Historicamente, a Moldávia sempre esteve na órbita de potências vizinhas, seja durante o Império Otomano, o Império Russo ou no Soviético. O russo ainda é amplamente falado no país, e a geração que viveu o período soviético continua ligada aos laços tradicionais.
"Gostaria de votar na Europa e em Maia Sandu, mas temo pelas nossas igrejas e pela nossa fé ortodoxa", diz Raíssa, residente em Chisinau, muito sensível aos argumentos defendidos pelos políticos pró-Moscou, que também acenam com a ameaça de conflito com a Rússia em caso de adesão à UE.
"Bruxelas quer ajudar a Ucrânia e se recusa a buscar um acordo de paz com Moscou", estima Mikhail, que optou por boicotar a votação. "Para nós, moldavos, isto é muito preocupante porque estamos muito próximos da zona de guerra. Se as relações entre a Europa e a Rússia piorarem, as consequências poderão ser terríveis", afirmou.
"Guerra híbrida"
As últimas pesquisas previram uma vitória do "sim" no referendo, por 54% dos votos. Mas será necessária uma participação de pelo menos 33% do eleitorado para que o resultado seja validado. A Rússia é acusada de ter lançado uma ampla campanha de influência e desinformação dirigida ao segmento da população que está preocupado com a mudança para o polo ocidental.
"Aqueles que se opõem à mudança são marcados pelos laços de longa data com a Rússia", explica Florent Parmentier, especialista no espaço pós-soviético e secretário-geral do instituto de pesquisas Cevipof, da universidade francesa SciencesPo.
Para se dirigir a essa parcela do eleitorado, Moscou usa a mesma narrativa dos valores tradicionais, principalmente por intermédio da Igreja Ortodoxa. A União Europeia é acusada de querer defender os direitos LGBT+ em detrimento dos valores familiares.
"Os pró-Rússia ainda atribuem as dificuldades econômicas da Moldávia à recusa do governo pró-europeu em negociar com Moscou preços mais baratos para a energia. Há uma mistura de valores, oportunidades econômicas e questões geopolíticas neste posicionamento contra a Europa", ressalta Parmentier. Com esses argumentos, a Rússia espera manter a Moldávia sob sua influência.
As autoridades moldavas acusam o governo russo de ter gasto 100 milhões de euros (cerca de 613 milhões de reais) em campanhas de desinformação, no último ano, para atingir os seus objetivos nesta votação. Todos os elementos de uma "guerra híbrida", já utilizados na Geórgia ou na Ucrânia, teriam sido aplicados na Moldávia para manter o país dentro da esfera de influência russa. "A Rússia não poupa esforços para subverter o processo eleitoral", reconheceu recentemente o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell.
Compra de votos
Segundo a polícia moldava, a Rússia tentou comprar os votos de 130 mil eleitores por um montante de 13 milhões de euros (cerca de 80 milhões de reais) por meio do empresário Ilan Shor. Este oligarca moldavo vive exilado na Rússia devido à sua condenação a 15 anos de prisão por fraude. Ele não desmentiu que ofereceu somas em dinheiro aos seus compatriotas, por meio do aplicativo de mensagens Telegram, para que votassem "não" no referendo. Shor afirmou, inclusive, que todos os pagamentos efetuados eram "legais" e acusou a Moldávia de se tornar "um Estado policial", devido à dissolução de alguns grupos políticos. Em suas mensagens, o oligarca incentiva seus seguidores a "continuarem a luta".
Outra alavanca utilizada pelo Kremlin para impulsionar o "não" no referendo foi a divulgação de fake news nas redes sociais para alertar a população sobre as consequências de adesão do país à UE. De acordo com a plataforma de investigação Check Point, uma campanha de desinformação teve como alvo funcionários moldavos, que receberam falsos documentos de instituições europeias. Um deles afirmava que uma adesão da Moldávia à UE abriria o país à entrada de trabalhadores do Oriente Médio, e a bandeira arco-íris da comunidade LGBT+ seria pendurada em edifícios administrativos.
O Kremlin nega as acusações de ingerência.
Balanço de governo mediano
A economista Maia Sandu chegou ao poder em 2020, depois de derrotar o ex-presidente Igor Dodon, que durante seu mandato se posicionou pela reaproximação com Moscou. A chefe de Estado tem uma reputação de integridade e honestidade, mas dirige um país que ainda é assolado pela corrupção.
À frente do Partido Ação e Solidariedade (liberal), Sandu ganhou protagonismo na cena internacional, alcançando uma notoriedade inédita para um líder moldavo. Assim que a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, ela cortou relações com Moscou, acolheu dezenas de milhares de refugiados ucranianos e voltou-se para a União Europeia. Em junho deste ano, Sandu obteve a abertura formal das negociações de adesão com o bloco.
No entanto, o sucesso no plano diplomático e a reputação de honestidade são considerados insuficientes para compensar um histórico tímido de reformas econômicas e combate à corrupção. Nos últimos quatro anos, a Moldávia continuou a ser um dos países mais pobres da Europa, sofreu com a pandemia de Covid-19 e ainda foi impactada pela crise energética causada pela guerra na Ucrânia. A inflação atingiu 29% no país em 2022, antes de cair novamente para 13% e recuar para 5%, atualmente. Sandu ainda encerra seu mandato sem ter cumprido uma de suas principais promessas de campanha: a reforma do sistema judicial.