Lívia Melzi exibe em Paris imagens feitas no Museu Nacional do Rio após incêndio de 2018

Com oito imagens da série "Imagens de Resgate", a artista brasileira Lívia Melzi participa da Paris Photo, a maior feira de fotografia do mundo, que acontece de 6 a 10 de novembro. O projeto em curso tem como tema objetos que sobreviveram ao grande incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2018.

"Eu cheguei lá e não sabia o que eu ia encontrar", diz Lívia Melzi sobre as primeiras impressões no início do projeto na instituição brasileira. "Eu não sabia o que tinha sobrevivido, mas eu sabia que esse momento era muito efêmero. Os objetos não estão mais no museu, não estão atrás de vitrine. Eles estão num momento de restauração que é muito interessante e que passa muito rápido. "

Com prêmios de duas instituições francesas e munida de uma câmera analógica de grande formato (ou 4x5), Melzi já realizou três viagens ao Rio e tem até o momento cerca de 200 imagens. 

"Encontrei pessoas muito dedicadas a reconstruir os objetos resgatados, a entender o que são, a tentar reconstruir o arquivo, através de pedaços, literalmente", conta a artista sobre a equipe do Museu Nacional. "Mas faltam muitos recursos e então é quase um milagre o que eles estão fazendo".

"O que me interessa é olhar os objetos que sobreviveram ao incêndio, que saem do palácio e que estão deformados, quebrados. Eles estão, na minha opinião, desprovidos da narrativa original que eles tinham dentro do contexto museal. E aí a minha ideia é documentar essas novas formas e todo esse processo de restauração", diz a fotógrafa.

Olhar europeu para o Brasil

"O meu terreno de trabalho é olhar para a Europa e entender como a Europa construiu uma ideia do Brasil através das imagens e o papel dos museus nessa história da fotografia", relata Melzi. "E no Brasil a museologia é muito diferente. A gente tem uma herança da museologia europeia, mas a gente sabe que as coisas funcionam de outra maneira", acrescenta.

Lívia Melzi também descobriu um tesouro no meio das suas incursões, um corpo de fotos do antigo departamento de fotografia do museu e que não foi afetado pelo incêndio, abrigado em uma sala fechada no fundo do palácio. Apesar de terem sobrevivido ao fogo, as imagens sofreram com a ação do tempo. "São fotografias que estão conservadas de maneira muito precária - são placas de vidro, negativos e diapositivos que estão desaparecendo por falta de conservação mesmo".

Em 2022, Melzi expôs "Tupi or not tupi", no Palais de Tokyo, um dos principais espaços culturais de Paris. O fio condutor foram os mantos tupinambás conservados em museus europeus, herança da antropofagia cultural colonial. A experiência contribuiu para a reflexão da artista sobre o papel de um museu. E por isso ela acha que o Brasil tem agora uma oportunidade única para reconstruir a museologia. "Talvez a gente possa ser pioneira nessa questão da descolonização do museu", opina.

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Representada pela galeria Salon /H, Livia Melzi participa pela primeira vez da Paris Photo. "Estou muito feliz porque além de ser a maior feira de fotografia do mundo, isso pode dar visibilidade para a tragédia do Museu Nacional, mas principalmente para a reconstrução dele". E acrescenta: "E é a chance que a gente tem para mostrar que somos capazes de tratar nossa memória, nossos arquivos, nosso patrimônio material e imaterial".  

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