Obra múltipla de Fernando Pessoa inspira nova peça do diretor americano Bob Wilson

"Pessoa, since I've been me" ("Pessoa, desde que eu sou eu", em tradução livre) é a última peça de Robert Wilson. No espetáculo, o renomado diretor de teatro americano faz uma leitura pessoal da vida e obra de um dos maiores escritores portugueses de todos os tempos. Depois da estreia mundial em Florença, no primeiro semestre, a peça entrou em cartaz na terça-feira (5) no Théâtre de la Ville, em Paris.

Uma escolha de fragmentos de textos de Pessoa retraça a vida do poeta do nascimento a morte. A peça começa e termina com a frase "I know not what tomorrow will bing" (Não sei o que o amanhã trará"), escrita em inglês antes da morte do poeta em 1935.

Bob Wilson conhecia pouco a obra de Fernando Pessoa e mergulhou no universo do poeta português no processo de criação, conta a brasileira Janaina Suaudeau, uma das atrizes do espetáculo. "Ele (Bob Wilson) mesmo diz que aos poucos, justamente fazendo trabalho de dramaturgia com Darryl (Pinckney), com o Charles Chemin, foi se encantando cada vez mais com esse personagem. Não tem como não se encantar com o Pessoa, não é?", aponta.

 

 

A atriz franco-brasileira diz que nessa homenagem ao poeta português o diretor americano "brincou muito com a multiplicidade do Pessoa em todas as esferas. No imagético, ele passa de um universo para o outro muito rápido. Passa do 'Fausto', por exemplo, que é uma coisa tão profunda, mais sombria, e logo depois vem uma música no final". 

Espetáculo caleidoscópio

Em cena, sete atores e atrizes de várias nacionalidades: italianos, franceses, portugueses e brasileiros.

"Pessoa" é um espetáculo caleidoscópio, que revela com a encenação límpida, os gestos geométricos e lentos que caracterizam a obra de Bob Wilson, mas também muitos elementos burlescos, as várias vidas do escritor português, simbolizadas por seus diversos heterônimos.

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Cada ator ou atriz se identifica com um dos heterônimos, principalmente os mais conhecidos: Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Bernardo Soares. Já a atriz portuguesa Maria de Medeiros vive em cena o próprio Fernando Pessoa.

"O que eu achei muito interessante na proposta do Bob foi abordar o Pessoa pela infância, pelo lado lúdico. E esse 'Pessoinha' com o seu bigode, andrógino porque é interpretado por uma mulher, de alguma forma vai organizar no sistema pessoano aquilo que ri das coisas mais dramáticas, das dificuldades de ser, das angústias pessoanas", detalha.

A atriz e cineasta, que brinca que a obra do poeta português é para ela uma "espécie de líquido amniótico", concorda com a leitura que Bob Wilson faz de Pessoa. "Isso está certo porque o Pessoa também tem um lado extremamente irônico e autoirônico", afirma Maria de Medeiros, que interpreta a obra do escritor português desde os 19 anos.

Pessoa universal

"Pessoa, since I've been me" convida o público para uma viagem visual e sonora, e em várias línguas europeias: inglês, português, francês e italiano. Com a presença de atores e atrizes brasileiros e portugueses em cena, Maria de Medeiros ressalta a importância de se ouvir na peça os sotaques do português do Brasil e de Portugal.

"Os brasileiros sempre foram e são grandes intérpretes do Pessoa. Por isso, me parece muito certo que dois brasileiros estejam no espetáculo e que se ouça o português de Portugal e o português do Brasil também. Ao atravessar todas essas línguas com a perspectiva particular do Bob, que é um americano, de alguma forma é o afirmar da universalidade do poeta Pessoa", salienta a atriz portuguesa.

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A peça de Bob Wilson é uma produção do Teatro della Pergola, de Florença, e do Théâtre de la Ville, de Paris, coproduzido por vários outros teatros europeus.

 

 

Depois de Paris, a peça irá estrear no São Luiz Teatro Municipal de Lisboa, em março de 2025. O contratenor brasileiro Rodrigo Ferreira, escolhido entre os mais de mil e setecentos candidatos para atuar na produção, torce para o espetáculo ir também para o Brasil.

"Nós queremos ir ao Brasil. Teatros brasileiros, levem o espetáculo! O Pessoa merece. A língua portuguesa está sendo honrada. É bom ter um espetáculo onde se fala português e outras línguas latinas: italiano, francês. Isso é bastante Fernando Pessoa e isso é o que eu mais gosto no espetáculo, esse fato que a gente passa de uma língua a outra, ao mesmo tempo e que é bastante fluido", elogia.

 

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A peça "Pessoa, since I've been me" fica em cartaz no Théatre de la Ville de Paris até 16 de novembro de 2024.

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