Arquiteto da ascensão da extrema direita na França, Jean-Marie Le Pen escandalizou até o fim

Orador de talento, provocador incansável e obcecado por imigração e judeus, Jean-Marie Le Pen, que morreu nesta terça-feira (7) aos 96 anos, foi o responsável por tirar a extrema direita francesa da marginalidade durante uma carreira política que marcou a chamada Quinta República francesa, período da vida política da França que teve início com a nova Constituição, promulgada em 1958.

Apelidado de "Menir" [referência às clássicas pedras gigantes talhadas por artesãos franceses], Le Pen jamais demonstrou arrependimento por suas declarações incendiárias que lhe renderam diversas condenações judiciais.

Entre suas falas mais infames estão a descrição das câmaras de gás como um "detalhe da história" (2016), a defesa da "desigualdade das raças" (1996) e a afirmação de que a ocupação alemã da França "não foi particularmente desumana" (2005).

Provocador incorrigível e pioneiro da extrema direita europeia, Le Pen se apresentava como vítima do sistema: "Nunca me trouxeram o poder em uma bandeja", dizia. No entanto, muitos acreditam que ele não tinha intenção real de governar. "No fundo, ele não queria o poder", opina o jornalista Serge Moati, que acompanhou Le Pen por 25 anos.

Essa postura de "excluído" acabou lhe rendendo uma popularidade crescente, que se refletiu nas urnas. "Um Front (National, a Frente Nacional, partido de extrema direita que Le Pen fundou em 1970) bonzinho não interessa a ninguém", ironizava Le Pen. Ele mesmo apontava o impacto de suas polêmicas: "Antes do 'detalhe', 2,2 milhões de eleitores; depois, 4,4 milhões".

O susto de 2002: a reabilitação da extrema direita francesa

O momento mais emblemático de sua carreira foi também seu maior fracasso. Em 21 de abril de 2002, aos 73 anos, Le Pen surpreendeu ao chegar ao segundo turno das eleições presidenciais. Contudo, sua vitória parcial desencadeou protestos massivos contra o racismo em toda a França e garantiu a reeleição fácil de Jacques Chirac, seu arquirrival.

Ainda assim, Le Pen conseguiu ressuscitar uma extrema direita francesa que havia sido desqualificada pela colaboração com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Neofascistas sob fachada "respeitável"

Nascido em 20 de junho de 1928, em La Trinité-sur-Mer, na Bretanha, Le Pen perdeu o pai, um pescador, aos 14 anos, quando ele morreu ao pisar em uma mina. Em Paris, durante seus anos como estudante de direito, Le Pen já mostrava seu temperamento combativo e preferia o ativismo às aulas.

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Após servir na Indochina e na Argélia - onde foi acusado de tortura, algo que sempre negou -, ele entrou na política em 1956, tornando-se o mais jovem deputado da Assembleia Nacional. Em 1972, assumiu a liderança do recém-criado Front National (FN, o partido Frente Nacional), reunindo neofascistas sob a bandeira de uma "fachada respeitável".

"Assumo tudo"

Le Pen alcançou os primeiros sucessos eleitorais em 1983, com sua retórica centrada na imigração: "Um milhão de desempregados é um milhão de imigrantes a mais". Sua ascensão foi facilitada pela exposição midiática durante o governo socialista de François Mitterrand.

Apesar de seu sucesso político, a gestão familiar e partidária de Le Pen foi marcada por conflitos. Sua esposa o deixou no final dos anos 1980 e posou nua para a Playboy, gerando escândalo. Anos depois, ele renegou publicamente sua filha Marie-Caroline por apoiar uma dissidência dentro do partido.

Marine Le Pen, a filha caçula, foi quem herdou a liderança do FN em 2011, prometendo "assumir toda a história do partido". Contudo, ela buscou distanciar-se das declarações mais polêmicas do pai, que incluíam comparações da Shoah a um "detalhe da história" e piadas antissemitas como o trocadilho com o nome do ministro Michel Durafour ("crematório!").

Em 2015, após mais declarações controversas, Jean-Marie Le Pen foi expulso do partido que fundou. Marine rebatizou o Front National como Rassemblement National (Reunião Nacional, em tradução livre), em uma tentativa de "desdemonizar", ou reabilitar a extrema direita francesa.

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Legado controverso

Apesar de suas declarações extremas e de sua exclusão do partido, Le Pen permaneceu uma figura central na política francesa. Ele abriu caminho para o crescimento de movimentos nacionalistas e populistas na Europa, mas suas polêmicas o mantiveram isolado no cenário político.

Nos últimos anos, com a saúde debilitada, Le Pen viveu recluso, acompanhado por sua nova esposa, Jany. Ele expressou apoio ao polemista e populista de extrema direita Éric Zemmour na eleição presidencial de 2022, mas não pôde participar ativamente da campanha devido a problemas cardíacos.

Com sua morte, Jean-Marie Le Pen deixa um legado polarizador, marcado por sua habilidade como orador, suas provocações e sua contribuição para moldar a extrema direita moderna, da França e da Europa.

(Com AFP)

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