Inflação na Argentina cai quase 100 pontos em um ano, mas economistas alertam para supervalorização do peso

Inflação na Argentina cai de 211,4% em 2023 a 117,8% em 2024, mas parte da receita de sucesso é a supervalorização do peso argentino que provoca a perda da competitividade de setores de mão de obra intensiva. A queda da inflação é a principal bandeira do presidente Javier Milei para ganhar as eleições legislativas de outubro deste ano, cruciais para continuar com as reformas estruturais.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

A inflação na Argentina deixaria qualquer país normal à beira do caos. De fato, foi a mais alta da América Latina, superando até mesmo a da Venezuela (85%) e bem mais alta do que a da Bolívia (9,97%), que completa o pódio. Porém, os 117,8% de 2024 ficaram bem abaixo dos 211,4% de 2023, sendo, por isso, a maior conquista do governo Milei no seu primeiro ano-calendário completo.

Para se ter uma ideia, os 2,7% de dezembro passado são quase dez vezes menos do que os 25,5% de dezembro de 2023, primeiro mês do governo Milei.

A classe média foi o segmento social que mais pagou a conta do severo ajuste fiscal de Milei, em torno de 5% do Produto Interno Bruto (PIB).

A família da professora Carla Volpe precisou mudar a alimentação, adotando marcas desconhecidas, mais baratas. E assim mesmo tem dificuldades de pagar as contas no final do mês.

"O meu poder aquisitivo caiu mais de 50%. É muito. Começamos primeiro cortando os serviços: deixamos de pagar o condomínio, o carro passou a dormir na rua porque não dá mais para pagar uma garagem, deixamos de comprar roupa. Às vezes, nos atrasamos com as contas de luz, de gás e de água. O nosso consumo caiu muito", descreve Carla à RFI.

Embora a média da inflação tenha sido de 117,8%, os serviços de água, gás e eletricidade subiram quase 248,2%. Os transportes aumentaram 137,8%, a educação privada 169,4% e as comunicações, 186,4%.

A comerciante Verónica Estrada trabalha com marcas mais baratas de jogos e brinquedos. Mesmo assim, viu como o negócio encolheu e como muitos dos seus colegas não aguentaram a recessão.

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"A medidas econômicas que o governo está tomando repercutem nos comerciantes em geral e fazem com que eu venda menos. Os meus clientes estão em alerta porque muita gente está sendo demitida, porque tudo diminui e as pessoas têm menos para gastar. E gastam menos em jogos e brinquedos que se tornam um objeto de luxo", explica Verónica à RFI.

Queda vertiginosa

Desde o começo de 2024, o índice de preços caiu vertiginosamente graças a uma rígida política de choque fiscal, monetário e cambial.

No campo fiscal, o superávit foi conquistado porque o Estado cortou por completo as obras públicas e reajustou os salários de servidores e as aposentadorias abaixo da inflação. No campo monetário, o Banco Central parou de emitir moeda sem respaldo. E no campo cambial, a moeda argentina foi a que mais se valorizou no mundo (+44%), tornando o país caro. A supervalorização do peso argentino tem servido para ancorar a inflação.

A imensa maioria dos economistas do país advertem sobre as consequências de uma moeda artificialmente valorizada. O ex-ministro da Economia, Domingo Cavallo, calcula uma valorização 20% excessiva. O ex-secretário de Estado de Coordenação Econômica, Orlando Ferreres, calcula uma defasagem de 50% no valor de equilíbrio do peso argentino.

Desvalorização controlada

A tendência é o aumento dos preços. Logo depois de conhecido o índice de inflação, o Banco Central anunciou que, a partir de 1º de fevereiro, vai diminuir o ritmo da desvalorização administrada do peso argentino (crawling peg), passando dos atuais 2% a 1% ao mês.

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"O ajuste para o tipo de câmbio continua a cumprir com o papel de âncora complementar das expectativas de inflação", justificou o Banco Central.

A medida visa acelerar a queda da inflação, mas fortalece ainda mais o peso argentino, encarecendo a produção dos setores de mão de obra intensiva e fazendo o país perder competitividade, exportar menos e importar mais. Tudo isso num contexto de desvalorização das moedas dos países emergentes.

Segundo sondagem mensal do Banco Central entre os principais agentes econômicos do país, neste ano de 2025, a inflação na Argentina deve desabar a 25,9%. O governo Milei projeta ainda menos: 18,3%.

Os agentes preveem um crescimento econômico de 4,5% do PIB em 2025, depois de uma queda de 3,6% em 2024. O governo confia num crescimento de, pelo menos, 5%.

A queda da inflação é a principal bandeira do Presidente Javier Milei para vencer as eleições legislativas de outubro e também a régua com a qual a população mede o resultado do seu governo. Uma vitória é crucial para Milei somar parlamentares para avançar com reformas estruturais.

"Foi um ano de esforços para amplos segmentos da sociedade. Deixaram de jantar fora, de ir ao cinema. Trocaram as primeiras marcas pelas segundas e terceiras marcas. Deixaram de pagar o plano de saúde, deixaram de comprar roupa e só pagaram o mínimo do cartão de crédito. Mas chega um momento em que o esgotamento vence. Milei precisa manter a esperança no horizonte. A queda da inflação é uma forma que até agora funcionou", aponta à RFI o analista político e especialista em opinião pública, Jorge Giacobbe.

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