50 anos após descriminalização do aborto, França aprova lei para inocentar condenadas


O Senado francês aprovou nesta quinta-feira (20) um projeto de lei com o objetivo de inocentar as mulheres condenadas por abortos ilegais antes da descriminalização da intervenção em 1975.
Cinquenta anos após a aprovação da lei Veil, que descriminalizou o aborto na França, e um ano após o direito à intervenção ter entrado para a Constituição do país, os senadores enviaram uma nova mensagem para reconhecer o "sofrimento" das mulheres que são "vítimas de leis que violam sua liberdade".
O projeto de lei da bancada socialista, liderado pela ex-ministra dos Direitos da Mulher e senadora Laurence Rossignol, foi aprovado por unanimidade em primeira leitura à tarde, com o apoio do governo. O texto agora segue para a Assembleia Nacional.
O objetivo é que o Estado reconheça que a legislação em vigor antes de 1975 constituía "um atentado à proteção da saúde das mulheres, à autonomia sexual e reprodutiva" e aos "direitos das mulheres", causando "numerosas mortes", sendo fonte de "sofrimento físico e moral".
Este texto "é uma forma de dizer que a vergonha deve mudar de lado, que essas leis foram criminosas", disse à AFP Laurence Rossignol, que defende "uma abordagem memorial após décadas de vergonha e silêncio".
"Enquanto a defesa do direito ao aborto está sendo atacada no mundo todo, precisamos dizer ao mundo inteiro que há países que não cedem", insiste a senadora.
O projeto de lei também propõe a criação de uma comissão para reconhecer os danos sofridos pelas mulheres que fizeram aborto, com a responsabilidade de contribuir para "coleta" e "transmissão da memória" das mulheres forçadas a abortos clandestinos e daqueles que as ajudaram. No entanto, o texto não prevê nenhuma indenização para ressarcir quem foi afetada.
"Ato de homenagem" e de memória
A ministra designada para a Igualdade entre Mulheres e Homens, Aurore Bergé, saudou um "ato de homenagem" para "fazer justiça àquelas que lutaram nas sombras, àquelas que pagaram o preço com sua própria liberdade, às vezes com suas próprias vidas, pelo simples direito à autodeterminação".
Em particular, ela falou aos senadores sobre a história de sua própria mãe, que havia feito um aborto clandestino.
Esta iniciativa é o resultado de um apelo publicado em janeiro no jornal Libération por ocasião do 50º aniversário da lei Veil, pedindo esta reabilitação.
O texto foi assinado por um coletivo de personalidades políticas, artísticas e feministas, incluindo a escritora e ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura Annie Ernaux, as atrizes Anna Mouglalis e Laure Calamy e a presidente da Fondation des Femmes, Anne-Cécile Mailfert, para quem o texto "repara uma injustiça". "Estamos falando de mais de 11 mil pessoas condenadas, e é essencial poder reabilitá-las, dizer a elas: 'Nunca deveríamos ter condenado vocês por exercerem sua liberdade", disse ela à AFP.
A iniciativa também dá corpo a uma petição da Fondation des Femmes, estrutura de referência na França para a liberdade e os direitos das mulheres e contra a violência de que são vítimas, sobre o assunto, pedindo "a reparação de uma injustiça histórica" e que havia coletado 9 mil assinaturas até a noite de quarta-feira (19).
França na direção oposta dos EUA
Grupos de direitos das mulheres acolheram a proposta. "No momento em que uma parteira acaba de ser presa no Texas por realizar abortos, a França está indo exatamente na direção oposta", disse à AFP Suzy Rojtman, porta-voz do Coletivo Nacional pelos Direitos das Mulheres.
Para Sarah Durocher, presidente da Associação de Planejamento Familiar, isso "restaurará um pouco a dignidade" das mulheres "que viveram em silêncio".
Uma iniciativa paralela de senadores socialistas para reabilitar pessoas condenadas por homossexualidade sob leis discriminatórias em vigor entre 1942 e 1982 na França já obteve sucesso em ambas as casas do Parlamento nos últimos meses. O Senado examinará o projeto em segunda leitura em 6 de maio.
(Com AFP)