Topo

O presidente mais pobre e a maconha

O presidente do Uruguai, José "Pepe" Mujica - Felix Lima/Folhapress, Reprodução TV FOLHA
O presidente do Uruguai, José "Pepe" Mujica Imagem: Felix Lima/Folhapress, Reprodução TV FOLHA

23/12/2013 00h01

É a experiência uruguaia: acabam de legalizar a maconha, e em grande parte isso foi possível graças a seu presidente, José Mujica, um verdadeiro personagem e filósofo.

É a primeira vez que tive de tirar a gravata para entrevistar um presidente. O que acontece é que José Mujica --que muitos no Uruguai chamam de "presidente Pepe"-- é de uma espécie política diferente. A gravata, disse-me, "não tem mais a função pela qual surgiu" (que era fechar camisas sem botões). "Quando soube a história da gravata", acrescentou, "me pareceu um rasgo de vaidade masculina". E a descartou.

Mujica é, sem dúvida, um dos presidentes mais pobres do mundo. Dá 90% de seu salário para obras de caridade e fica com apenas US$ 1.000 por mês. Não sei de nenhum outro mandatário que fique com tão pouco. "Sou sóbrio na maneira de viver, mas não pretendo impor isso a ninguém", disse-me em uma entrevista durante sua recente viagem a Nova York. "A vida é para andar leve de bagagem, pouco comprometido com as coisas materiais e para se garantir maior margem possível de liberdade individual." Como veem, também é um presidente filósofo.

Não mora no palácio presidencial, mas em sua casa de sempre; três quartos, cozinha e só um banheiro, nada mais, e ele e sua mulher não têm empregados domésticos.

Alguns o chamam de Nelson Mandela da América do Sul, porque, assim como o líder sul-africano, Mujica rebelou-se agressivamente contra uma ditadura (militar) e passou muitos anos na prisão: 14, para ser exato. Foi guerrilheiro tupamaro, recebeu seis balaços e, em um momento de sua vida, acreditou que o mundo poderia ser modificado com violência. Não mais. Opôs-se ao recente plano americano de bombardear a Síria. "Disse-lhes que o bom era bombardear com leite em pó, com comida, com atendimento médico."

Mujica é um democrata que, apesar de tudo, resiste a criticar a ditadurados irmãos Castro. "Eu defendo todos os povos latino-americanos." Não é hora de Fidel e Raúl deixarem o poder em Cuba? "Vão deixar, não se preocupe que vão deixar."

O Uruguai é uma das nações mais liberais do planeta. O aborto é legal, assim como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. E nos últimos dias ficou conhecido como o primeiro país do mundo a legalizar a produção, a distribuição, a venda e o consumo de maconha. Para o presidente Mujica, é um "experimento".

Mujica é o único presidente do mundo que faz o que outros fazem quando deixam o poder. A América Latina está cheia de ex-presidentes que hoje apoiam a legalização das drogas, mas que quando estavam no poder não ousaram fazer nada.

A legalização da maconha, entretanto, não tem o apoio popular no Uruguai. Seis em cada dez uruguaios, segundo várias pesquisas, são contra a medida. "Têm medo", diz Mujica, "mas nós temos muito mais medo da existência do narcotráfico. É muito pior o narcotráfico que a droga. A droga eu posso controlar."

Mujica diz que nunca provou maconha. "Sou antigo; fumei tabaco." Experimentaria? "Sim, não terianenhum tipo de preconceito. Mas não creio que a maconha seja boa. Além disso, estou convencido de que é uma praga, como o tabaco e o álcool." Sua lógica é esta: se o álcool e os cigarros são regulamentados, por que não a maconha? O temor é que o Uruguai se transforme, como Amsterdã, em um destino mundial de narcoturismo. Mas ele não se preocupa: os turistas não poderão comprar maconha no Uruguai, disse-me.

Os 20 minutos que reservados para a entrevista tinham terminado, mas o presidente Pepe queria continuar falando. Outro presidente o esperava. Ele não tinha pressa.

Qual é o segredo de estar tão bem aos 78 anos de idade? "Deve ser genético", disse, rindo, e então tocou o lugar do coração. "Sinto-me bastante jovem aqui. Em meu corpinho vou sentindo os anos, o reumatismo, tudo isso. Mas me sinto com força."

Como despedida, eu lhe disse que me dava a impressão de que continuava pensando como um jovem, que ainda tinha esse otimismo tão adolescente de crer que as coisas podem ser mudadas. "Sou um lutador", concordou, "um doente de sonhos".