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Mudem a igreja, mas deixem o papa

Jorge Ramos

20/02/2014 00h01

É um fenômeno raro: o papa Francisco é sem dúvida um dos personagens mais populares do mundo; sai tanto na capa da "Time" quanto na da "Rolling Stone". Mas a igreja que dirige está sendo atacada e muitos de seus membros querem que mude.

A mensagem dos católicos é clara: gosto do papa, mas mudem a igreja.

No final do ano passado, o pontífice havia ordenado que se enviasse um questionário aos católicos do mundo para saber o que pensavam de sua religião e sua igreja. Mas a rede de notícias Univision se adiantou ao Vaticano: pediu à empresa Bendixen & Amandi International que fizesse uma pesquisa com 12 mil pessoas em 12 países, representando quatro continentes, e os resultados foram contundentes. Em poucas palavras, há muito que mudar.

Entre os católicos, 58% não concordam com a proibição da igreja ao divórcio; 65% acreditam que o aborto deve ser aceito em certos casos; 78% aprovam o uso de anticoncepcionais; 50% querem que os padres se casem; 45% desejariam que as mulheres pudessem se ordenar sacerdotes e 30% apoiam o casamento entre pessoas do mesmo sexo (na Espanha e nos EUA o apoio é muito maior: 64% e 54%, respectivamente).

"Esta pesquisa mundial é uma derrota para a ideologia da força", disse em uma entrevista o vaticanista Marco Politi. "Mas não estamos em trânsito para uma revolução." Politi é claro. A Igreja Católica é uma instituição vertical, governada de cima para baixo. E se o papa e o Vaticano não estiverem dispostos a mudar alguns preceitos, nada vai acontecer.

O mais interessante é que os católicos não querem mudar seu papa: 87% têm uma opinião boa ou excelente sobre Francisco. Como não apreciar um papa que não quer julgar os gays, que aceita que as crianças se aproximem dele e que beija publicamente os doentes? São todos grandes gestos populistas, e funcionam.

Mas além de sua sóbria personalidade, de seu estilo descontraído e sua atitude generosa, o papa Francisco continua preso aos velhos dogmas da igreja. Os gays são oficialmente rejeitados, as mulheres não podem ser ordenadas e se mantém a absurda proibição ao casamento dos sacerdotes; além disso, nem sequer cedeu no uso de camisinhas para controlar a Aids na África.

O pior de tudo é que o papa Francisco não se atreveu a enfrentar a pior crise dentro de sua igreja: o abuso sexual de crianças por sacerdotes. Não disse nada importante nem valioso. Mas a ONU sim.

O Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança relatou, depois de uma longa e exaustiva investigação, que o Vaticano não reconheceu "a magnitude dos crimes sexuais" de seus membros, que "os abusos continuam sendo cometidos de forma sistemática", e pediu ao papa que entregue os pedófilos à polícia.

Não faremos isso, respondeu o Vaticano. Como desculpa, disse que o documento era uma interferência no "exercício da liberdade religiosa" e, mais uma vez, engavetou o assunto.

O papa Francisco me agrada muito. Estive em Roma quando o nomearam pontífice. É maravilhoso que seja o primeiro papa argentino. Gosto de que ele fale à imprensa e não use sapatos vermelhos. Gosto de sua personalidade e linguagem simples. Mas isto não serve de nada se continuar protegendo pedófilos, em vez de se colocar ao lado das crianças abusadas sexualmente.

A pesquisa da Univision diz inquestionavelmente que a igreja tem muito que mudar e que há um papa que pode promover essa mudança. Mas ainda não tenho muita certeza de que ele se atreverá.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves