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Jornalista: Não seja neutro

Em Nova York (EUA)

04/12/2014 00h01

Amo ser jornalista. É a única profissão do mundo que tem como descrição ser rebelde e irreverente. Quer dizer, o jornalismo o obriga a ser jovem durante toda a vida. O escritor colombiano Gabriel García Márquez tinha razão: é a melhor profissão do mundo. Mas podemos e devemos usar o jornalismo como uma arma para um melhor propósito: a justiça social.

O melhor do jornalismo ocorre quando nos atrevemos a tomar posição, quando questionamos os que estão no poder e evitamos que abusem de sua autoridade, quando denunciamos uma injustiça. O melhor do jornalismo se dá quando tomamos o partido das vítimas, dos mais vulneráveis, dos que não têm direitos. Diante do abuso do poder, o jornalismo tem que ser contrapoder.

Creio nos princípios básicos do jornalismo. Não tenho nada contra a objetividade e o equilíbrio. Isso tem de ser como um reflexo: ser obsessivo com os dados e apresentar todos os pontos de vista. No entanto, isso não é suficiente para contar toda a verdade.

Diante dos poderosos, devemos tomar partido. Se tivermos de escolher entre ser amigo ou inimigo do presidente, do político, do general ou do ditador, a decisão é muito simples: sou repórter, não quero ser seu amigo.

Quando me cabe fazer uma entrevista com alguém importante, sempre dou por fato duas coisas: uma, que se eu não lhe fizer as perguntas duras e incômodas ninguém mais o fará; e duas, assumo que nunca mais voltarei a ver e a entrevistar essa pessoa. As piores entrevistas que vi são quando o jornalista tenta ficar bem e faz perguntas brandas para manter o acesso a suas fontes. Isso é autocensura.

Sou a favor do jornalismo com um ponto de vista. É válido tomar uma posição antagônica antes de uma entrevista ou reportagem. Essa é uma decisão moral. É perfeitamente válido não ser neutro. Nosso ofício não acontece em um vazio. Temos opiniões e códigos de ética - pela democracia, pela liberdade, pela pluralidade -, e isso deve se refletir em nosso trabalho.

Há grandes exemplos de jornalistas corajosos que decidiram não ser neutros e enfrentaram o poder. Edward R. Murrow lutou contra o preconceituoso senador Joe McCarthy, Walter Cronkite contra a guerra do Vietnã, e os repórteres do "Washington Post" contra o corrupto presidente Richard Nixon. Christiane Amanpour brigou com o presidente Bill Clinton por sua posição cambiante na guerra da Bósnia e Anderson Cooper demonstrou a incapacidade do presidente Bush depois da passagem do furacão Katrina. Graças a esses jornalistas, os poderosos não ficaram à vontade.

Agora nos cabe denunciar a sanguinária e quase eterna ditadura dos Castro em Cuba e o assassinato de estudantes no México e na Venezuela com a cumplicidade de seus governos. Em seu momento nos coube enfrentar o presidente Barack Obama por não cumprir sua promessa migratória e por deportar mais de 2 milhões de sem documentos, e o líder republicano John Boehner pela hipocrisia de dizer que era a favor de uma reforma migratória e (ao mesmo tempo) bloquear uma votação na Câmara de Deputados.

Não creio em ser partidário. Sou ferozmente independente. Mas como jornalista é preciso tomar partido. Como disse o sobrevivente do Holocausto e ganhador do prêmio Nobel da paz Elie Wiesel: "Devemos tomar partido. A neutralidade só ajuda o opressor, nunca a vítima".

O pior em nossa profissão é quando ficamos calados diante de uma injustiça ou um abuso de poder. Lamentavelmente, ficamos calados antes da guerra do Iraque e por isso morreram desnecessariamente milhares de soldados americanos e dezenas de milhares de civis iraquianos.

Não sou menos jornalista por tomar uma posição. Ao contrário. Às vezes a única maneira honesta de fazer jornalismo é deixando de ser neutro e enfrentando os poderosos. O silêncio é o pior pecado no jornalismo. Não seja neutro.

(Esta coluna foi adaptada do discurso de aceitação pronunciado por Jorge Ramos durante a 24ª cerimônia anual dos Prêmios da Liberdade de Imprensa Internacional no Comitê para a Proteção de Jornalistas. Ramos recebeu o prêmio Burton Benjamin pelo compromisso de toda a sua vida com a liberdade de imprensa. Uma transcrição completa desse discurso pode ser lida em fus.in/1yBSVak.)