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A arena desigual dos Estados Unidos

Paul Krugman

10/01/2012 01h32

No mês passado o presidente Barack Obama fez um discurso invocando o espírito de Teddy Roosevelt em nome dos ideais progressistas – e os republicanos não ficaram nada contentes. Mitt Romney, em particular, afirmou que, ao contrário de Roosevelt, que acreditava que “o governo deveria igualar a arena para criar oportunidades iguais”, Obama crê que “o governo deveria criar resultados iguais”. Segundo Romney, Obama acha que os Estados Unidos devem ter uma sociedade na qual “todos recebam recompensas iguais ou similares, independentemente do nível educacional, do esforço dispendido e da disposição para assumir riscos”.

Conforme muita gente não perdeu tempo em observar, esse retrato do presidente como sendo um redistribuidor radical de renda não passa de ficção. Entretanto, ninguém chamou atenção para o fato de que o próprio retrato de Romney como sendo o defensor de uma arena social de oportunidades iguais é similarmente fictícia. Onde está a evidência de que Romney ou o partido dele têm qualquer interesse em igualdade de oportunidades?

Falemos um pouco sobre a situação real dessa arena.

Os norte-americanos são muito mais propensos do que os cidadãos de outras nações a acreditar que vivem em uma meritocracia. Mas essa autoimagem não passa de uma fantasia. Conforme mostrou uma matéria publicada na semana passada no “New York Times”, os Estados Unidos na verdade se destacam como o país desenvolvido no qual a situação financeira dos pais de um indivíduo para a determinação da situação social deste tem maior importância. Além disso esta é a nação avançada na qual os indivíduos oriundos das classes mais baixas têm a menor chance de chegar ao topo, ou sequer ao patamar intermediário, da pirâmide social.

E um dos principais motivos pelos quais os Estados Unidos apresentam, na prática, menos mobilidade social do que o resto do mundo ocidental é o fato de o nosso governo não fazer um bom trabalho no sentido de criar oportunidades iguais para os seus cidadãos.

Esse fracasso começa cedo. Nos Estados Unidos, os buracos existentes na rede de previdência e benefícios sociais fazem com que as mães de baixa renda e os seus filhos estejam mais propensos a padecer de má nutrição e a receber um serviço de saúde inadequado. O problema continua quando as crianças atingem a idade escolar, e se deparam com um sistema no qual os indivíduos afluentes mandam os filhos para escolas públicas boas e ricas em verbas ou, caso prefiram, para escolas particulares, enquanto que as crianças que vivem em famílias de baixa renda recebem uma educação de qualidade muito pior.

Ao concluírem o segundo grau, os estudantes de baixa renda têm uma probabilidade muito menor de frequentar a universidade – e uma probabilidade ainda mais reduzida de estudar em uma universidade de ponta – do que aqueles que têm pais ricos. Nas universidades de primeira linha, 74% dos alunos do primeiro ano são oriundos dos domicílios de “status socioeconômico” mais elevado. Já os alunos que fazem parte do grupo de 25% das famílias mais desfavorecidas representam apenas 3% do total dos estudantes que ingressam nessas universidades.

E, mesmo quando os jovens oriundos desse extrato mais pobre da nossa sociedade conseguem ingressar em uma boa universidade, a falta de apoio financeiro faz com que eles tenham maior probabilidade do que os alunos ricos de abandonar os estudos, mesmo quando eles contam com uma capacidade igual ou maior do que estes últimos. Um estudo de longo prazo feito pelo Departamento de Educação dos Estados Unidos revelou que os estudantes que têm notas altas, mas que são filhos de pais de baixa renda, têm menor probabilidade de concluir o ensino superior do que aqueles alunos que apresentam notas baixas, mas que possuem pais afluentes. Ou seja, alunos inteligentes, mas pobres, tem menor probabilidade de se formar do que estudantes de pouco brilho intelectual, mas ricos.

Portanto, não é de se admirar que histórias como as de Horatio Alger, que falam de crianças pobres que têm sucesso na vida, sejam muito menos comuns na realidade do que na ficção, e que elas sejam ainda mais raras nos Estados Unidos do que no Canadá ou na Europa. E isso me faz retornar ao caso daqueles que, como Romney, afirmam acreditar que existe igualdade de oportunidades. Onde está a evidência para tal alegação?

Basta pensar: alguém que realmente desejasse igualdade de oportunidades seria uma pessoa muito preocupada com a desigualdade existente no nosso atual sistema. Esse indivíduo defenderia medidas para proporcionar mais auxílio nutricional a futuras mães e crianças pequenas de baixa renda. Ele procuraria fazer com que a qualidade das escolas públicas melhorasse, e apoiaria o auxílio financeiro a estudantes universitários pobres. Além do mais, ele apoiaria algo que todo país avançado possui: um sistema universal de saúde, de forma que ninguém precisasse se preocupar com a possibilidade de não receber tratamento para doenças ou de ficar endividado devido a despesas médicas.

Se Romney defendeu qualquer dessas iniciativas, eu não vi. E a ala parlamentar do partido dele parece estar determinada a dificultar ainda mais a ascensão social. Por exemplo, os republicanos procuraram acabar com as verbas para o programa Mulher, Bebês e Crianças, que ajuda a fornecer uma alimentação adequada às mães de baixa renda e aos seus filhos. Além disso, eles exigiram cortes das bolsas de estudos Pell, que foram criadas para ajudar estudantes pobres a frequentar a universidade.

E é claro que eles também prometeram repelir uma reforma do sistema de saúde que, apesar de todas as suas imperfeições, finalmente proporcionaria aos norte-americanos a garantia daqueles serviços de saúde que todos os demais habitantes do mundo desenvolvido recebem há muito tempo.

Então, onde está a evidência de que Romney ou o partido dele de fato acreditam em igualdade de oportunidades? A julgar pelas suas ações, eles parecem preferir uma sociedade na qual a situação social de um indivíduo seja determinada em grande parte pela classe social dos seus pais – e na qual os filhos dos milionários herdam os seus patrimônios com isenção de impostos. Teddy Roosevelt não teria aprovado isso.