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Estudos que justificam o corte de gastos para conter a crise perderam a credibilidade

Bancários cipriotas protestaram  para pedir a proteção de seus fundos de pensão e empregos sob ameaça com a crise financeira no Chipre  - AP Photo/Petros Karadjias
Bancários cipriotas protestaram para pedir a proteção de seus fundos de pensão e empregos sob ameaça com a crise financeira no Chipre Imagem: AP Photo/Petros Karadjias

Paul Krugman

30/04/2013 00h01

Aqueles de nós que passaram anos apresentando argumentos contra a austeridade fiscal prematura acabaram de ter duas boas semanas. Estudos acadêmicos que supostamente justificavam a austeridade perderam a credibilidade. Os linhas-duras da Comissão Europeia e de outros países abrandaram sua retórica. O tom da conversa mudou, definitivamente.
Minha impressão, no entanto, é que muitas pessoas ainda não entendem o que isso significa. Por isso, essa parece ser uma boa ocasião para oferecer uma espécie de reciclagem sobre a natureza dos nossos problemas econômicos – e explicar por que esse continua sendo um momento muito ruim para realizar cortes de gastos.

Vamos começar com o que provavelmente é a coisa mais importante a ser compreendida: a economia não é como uma família.

Famílias ganham o que podem e gastam o que consideram prudente; as oportunidades de gastos e ganhos são duas coisas diferentes. Na economia como um todo, no entanto, as receitas e os gastos são interdependentes: minhas despesas são a sua renda e seus gastos compõem a minha renda. Se nós dois reduzirmos nossos gastos ao mesmo tempo, nossos rendimentos vão cair também.

Isso foi o que aconteceu após a crise financeira de 2008. Muitas pessoas cortaram seus gastos de repente, por escolha própria ou porque seus credores as obrigaram. Entretanto, não existiam muitas pessoas que pudessem ou estivessem dispostas a gastar mais. O resultado foi uma queda nos rendimentos, que também causou uma queda no nível de emprego, criando a recessão que persiste até hoje.    

Por que será que os gastos despencaram? Principalmente por causa do estouro da bolha imobiliária e do efeito negativo do endividamento do setor privado –, mas se você me perguntar, as pessoas falam demais sobre o que deu errado durante os anos de boom e não falam o suficiente sobre o que deveríamos estar fazendo agora. Pois, independentemente de quão escabrosos tenham sido os excessos do passado, não há nenhuma boa razão para que devamos pagar por eles por meio do desemprego em massa ano após ano.

Então, o que podemos fazer para reduzir o desemprego? A resposta é: este é um momento para que os gastos governamentais avancem a um ritmo acima do normal para sustentar a economia até que o setor privado se mostre disposto a gastar novamente. A questão crucial é: nas condições atuais, o governo não está – repito: não está – competindo com o setor privado. Os gastos do governo não desviam recursos do setor privado. Os gastos governamentais colocam em circulação recursos que não estão sendo empregados. Os empréstimos governamentais não tomam o lugar dos investimentos privados – eles mobilizam recursos que ficariam, de outra maneira, ociosos.

Agora, só para que fique claro: eu não estou defendendo, de jeito nenhum, o aumento dos gastos do governo nem o crescimento dos deficits orçamentários – e a afirmação de que pessoas como eu sempre querem deficits maiores é simplesmente falsa. Em economia, as coisas nem sempre são assim – na verdade, situações como a que estamos vivendo são bastante raras. Vamos tentar reduzir os deficits e diminuir o endividamento do governo quando as condições normais retornarem e a economia não estiver mais em recessão. Mas, agora, ainda estamos lidando com as consequências de uma crise financeira que acontece uma vez no período de três gerações. Este não é o momento para austeridade.

OK, eu apenas contei a vocês uma história. Mas por que vocês deveriam acreditar nela? Afinal de contas, existem pessoas que insistem que o verdadeiro problema está relacionado à questão da oferta econômica: elas afirmam que os trabalhadores não possuem as qualificações de que necessitam ou que o seguro desemprego acabou com o incentivo para que os desempregados voltem ao trabalho ou que a ameaça iminente da implantação da assistência médica universal está impedindo as contratações – ou qualquer outra coisa. Como podemos saber se essas estão erradas?

Bem, eu poderia continuar discorrendo longamente sobre esse assunto, mas basta observar as previsões que os dois lados deste debate fizeram. As pessoas como eu previram, desde o início, que os grandes deficits orçamentários teriam pouco efeito sobre as taxas de juros, que a “impressão de dinheiro” em grande escala pelo Fed (Federal Reserve,  o Banco Central dos Estados Unidos –), essa não é uma boa descrição para a real política monetária praticada pelo Fed, mas isso não importa. Não seria inflacionária e que as políticas de austeridade provocariam uma terrível recessão econômica. A turma do outro lado zombou disso tudo, insistindo que as taxas de juros iriam disparar e que as medidas de austeridade realmente levariam à expansão econômica. Pergunte aos corretores de títulos ou às populações que estão sofrendo na Espanha, em Portugal e em outros países o que realmente acabou acontecendo.

Será que a história é realmente assim tão simples, e será que seria realmente tão fácil de acabar com o flagelo do desemprego? Sim – mas os poderosos não querem acreditar nisso. Alguns deles têm uma sensação visceral de que o sofrimento é bom, que devemos pagar um preço pelos pecados do passado (mesmo que os pecadores de ontem e os sofredores de hoje constituam dois grupos de pessoas muito diferentes). Alguns deles veem a crise como uma oportunidade para desmantelar a rede de proteção social. E quase todos da elite política são influenciados por uma minoria rica que não está realmente sofrendo muito.

O que aconteceu agora, no entanto, foi que a motivação para a manutenção da austeridade perdeu seu verniz intelectual – e foi exposta como a expressão de preconceito, oportunismo e interesses de classe que sempre foi. E, talvez – apenas talvez –, essa exposição súbita nos dê a oportunidade de começar a fazer algo em relação à recessão na qual estamos metidos.