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A armadilha da timidez

Paul Krugman

22/03/2014 00h01

Não parece haver grandes crises econômicas em curso neste exato momento, e os formuladores de políticas em muitos lugares estão se felicitando. Na Europa, por exemplo, eles estão celebrando a recuperação da Espanha: o país parece que vai crescer pelo menos duas vezes mais do que previsto anteriormente.

Infelizmente, isso significa um crescimento de 1%, contra 0,5%, em uma economia profundamente deprimida com 55% de desemprego entre os jovens. O fato de que isso pode ser considerado uma boa notícia só serve para mostrar como nós nos acostumamos a condições econômicas terríveis. Estamos nos saindo pior do que qualquer um poderia ter imaginado há alguns anos, mas as pessoas parecem cada vez mais aceitar esta situação miserável como o novo normal.

Como isso aconteceu? Há várias razões, é claro. Mas eu estive pensando muito sobre essa questão ultimamente, em parte porque me pediram para discutir uma nova avaliação dos esforços do Japão para sair de sua armadilha de deflação. E eu diria que uma importante fonte do fracasso foi o que passei a chamar de armadilha da timidez - a tendência consistente dos políticos que têm as ideias certas de, na prática, tomarem meias medidas, e a maneira como esta timidez acaba frustrando os resultados, política e até mesmo economicamente.

Em outras palavras, Yeats tinha razão: aos melhores falta convicção, enquanto os piores estão cheios de intensidade apaixonada.

Sobre os piores: se você acompanhou os debates econômicos nos últimos anos, você sabe que, tanto os Estados Unidos quanto a Europa têm grupos poderosos em defesa da dor -grupos influentes ferozmente contrários a qualquer política que possa levar os desempregados de volta ao trabalho. Existem algumas diferenças importantes entre os grupos nos EUA e na Europa, mas ambos já acumularam históricos verdadeiramente impressionantes de estarem sempre errados, mas nunca duvidam.

Assim, nos Estados Unidos, temos uma facção tanto em Wall Street quanto no Congresso que passou mais de cinco anos emitindo avisos escabrosos sobre a inflação galopante e as taxas de juros crescentes. Seria natural pensar que o fato de nenhuma dessas previsões sombrias ter se realizado inspiraria algumas dúvidas, mas, depois de todos esses anos, as mesmas pessoas ainda estão sendo convidadas a depor, e ainda estão dizendo as mesmas coisas.

Enquanto isso, na Europa, quatro anos se passaram desde que o continente adotou severos programas de austeridade. Os arquitetos desses programas nos disseram que não devíamos nos preocupar com os impactos negativos sobre o crescimento e o emprego - os efeitos econômicos seriam positivos, porque a austeridade iria inspirar confiança. Não é nem preciso dizer que, a fada da confiança não apareceu, e o preço econômico e social tem sido imenso. Mas não importa: todas as pessoas sérias dizem que os espancamentos devem continuar até que a moral melhore.

Então, qual tem sido a resposta dos mocinhos?

Pois há mocinhos por aí, pessoas que não compraram a noção de que nada pode ou deve ser feito sobre o desemprego em massa. O centro do governo Obama - ou, pelo menos, de seu modelo econômico - está no lugar certo. O Federal Reserve tem evitado a turma da “primavera de Weimar”, ou seja, a turma da “inflação está chegando”. O Fundo Monetário Internacional divulgou pesquisas negando as afirmativas que a austeridade é indolor. Mas esses mocinhos nunca parecem dispostos a mergulharem fundo em suas crenças.

O exemplo clássico foi o pacote de estímulo de Obama, que obviamente foi de fraca potência diante dos apuros da economia. Isso não é uma análise em retrospectiva. Alguns de nós avisamos desde o início que o plano seria inadequado – e como seus benefícios estavam sendo vendidos de forma exagerada, a persistência de taxas de desemprego elevadas acabaria por desacreditar toda a ideia do estímulo na mente do público. E assim foi.

O que não é tão bem conhecido é que o Fed, a sua maneira tem feito a mesma coisa. Desde o início, as autoridades monetárias descartaram as políticas monetárias que tinham maiores chances de funcionar - em particular, qualquer coisa que pudesse sinalizar uma disposição de tolerar a inflação um pouco mais elevada, pelo menos temporariamente. Como resultado, as políticas que se seguiram ficaram aquém das expectativas e acabaram deixando a impressão de que nada mais podia ser feito.

E o mesmo pode ser verdade no Japão - o caso que motivou este artigo. O Japão fez uma ruptura radical com as políticas passadas, finalmente adotando o tipo de estímulo monetário agressivo que os economistas ocidentais vêm pedindo há mais de 15 anos. No entanto, ainda há uma desconfiança em relação ao negócio todo e uma tendência a definir as coisas, como metas de inflação, mais baixas do que a situação realmente exige. E isso aumenta o risco de o Japão não conseguir “decolar” –ou seja, o risco que o impulso recebido com as novas políticas não será suficiente para que a economia realmente se liberte da deflação.

Você pode se perguntar por que os mocinhos foram tão tímidos, e os bandidos tão autoconfiantes. Eu suspeito que a resposta tem muito a ver com os interesses de classe. Mas isso terá que ser assunto para outra coluna.