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Risco de oligarquia nos EUA é real

Paul Krugman

25/03/2014 00h01

Parece seguro dizer que "O Capital no Século 21", a "magnum opus" do economista francês Thomas Piketty, será o mais importante livro de economia do ano --e talvez da década. Piketty, possivelmente o maior especialista mundial em desigualdade de renda e riqueza, faz mais que documentar a crescente concentração de renda nas mãos de uma pequena elite econômica. Ele também defende uma forte teoria de que estamos retornando ao "capitalismo patrimonial", em que os píncaros da economia são dominados não apenas pela riqueza, mas também pela riqueza herdada, em que o berço importa mais que o esforço e o talento.

Certamente, Piketty admite que ainda não chegamos lá. Até agora, a ascensão do 1% dos americanos foi conduzida principalmente por salários e bônus de executivos mais do que pela renda dos investimentos, e ainda menos pela riqueza herdada. Mas, seis dos dez americanos mais ricos já são herdeiros e não empresários "self-made", e os filhos da elite econômica de hoje partem de uma posição de imenso privilégio. Como nota Piketty, "o risco de uma tendência à oligarquia é real e dá poucos motivos para otimismo".

De fato. E se você quiser ficar ainda menos otimista, considere o que muitos políticos dos EUA estão preparando. A oligarquia nascente dos EUA talvez ainda não esteja totalmente formada, mas um de nossos dois principais partidos políticos parece comprometido com a defesa dos interesses da oligarquia.

Apesar dos esforços frenéticos de alguns republicanos para fingir outra coisa, a maioria das pessoas percebe que hoje o partido favorece os interesses dos ricos, e não os das famílias comuns. No entanto, suspeito que um número menor de pessoas percebe a extensão em que o partido favorece a renda da riqueza, em vez da dos salários e honorários. E a predominância da renda do capital, que pode ser herdado, sobre os salários --a predominância da riqueza sobre o trabalho-- é o capitalismo patrimonial de fato.

Para entender do que estou falando, comece com as políticas reais e as propostas políticas. Entende-se de modo geral que George W. Bush fez o possível para cortar os impostos dos muito ricos, que os cortes para a classe média que ele incluiu foram essencialmente líderes de perda política. Entende-se menos bem que as maiores deduções não foram para as pessoas que recebem altos salários, mas para cortadores de cupons e herdeiros de grandes propriedades. É verdade que a faixa superior do imposto de renda sobre salários caiu de 39,6% para 35%. Mas a faixa superior sobre dividendos caiu de 39,6% (porque eram taxados como renda comum) para 15% e o imposto sobre propriedades foi totalmente eliminado.

Alguns desses cortes foram revertidos sob o presidente Barack Obama, mas a questão é que a grande iniciativa de redução de impostos da era Bush foi principalmente para reduzir os impostos da renda não proveniente do trabalho. E quando os republicanos retomaram a Câmara dos Deputados, rapidamente apresentaram um plano --o "mapa do caminho" do deputado Paul Ryan-- pedindo a eliminação dos impostos sobre juros, dividendos, ganhos de capital e propriedades. Por esse plano, alguém que vivesse só de riqueza herdada não pagaria imposto federal algum.

Esse viés da política em direção aos interesses dos ricos se refletiu em um viés na retórica: os republicanos sempre parecem tão decididos a exaltar os "criadores de empregos" que esquecem de mencionar os trabalhadores americanos. Em 2012, o deputado Eric Cantor, líder da maioria na Câmara, comemorou famosamente o Dia do Trabalho com um post no Twitter homenageando os donos de empresas. Mais recentemente, Cantor teria lembrado a colegas em um retiro do Partido Republicano que a maioria dos americanos trabalha para outras pessoas, o que é pelo menos um dos grandes motivos pelos quais falharam as tentativas de fazer algo maior a suposta crítica do presidente Obama aos empresários. (Outro motivo foi que Obama não fez isso.)

Na verdade, não apenas a maioria dos americanos não possui empresas, como a renda das empresas e a renda do capital em geral está cada vez mais concentrada nas mãos de poucas pessoas. Em 1979, o 1% superior das famílias respondia por 17% da renda das empresas; em 2007, o mesmo grupo recebia 43% da renda das empresas e 75% dos ganhos de capital. Mas, essa pequena elite recebe todo o amor do Partido Republicano e a maior parte de sua atenção política.

Por que isso está acontecendo? Ora, lembre-se de que os dois irmãos Koch estão entre os dez americanos mais ricos, assim como quatro herdeiros do Wal-Mart. Grande riqueza compra grande influência política --e não apenas por meio de contribuições de campanha.

Muitos conservadores vivem dentro de uma bolha intelectual de grupos de pensadores e mídia cativa que é, em última instância, financiada por um punhado de megadoadores. Não é de surpreender que os que estão dentro da bolha tendem a supor, instintivamente, que o que é bom para os oligarcas é bom para os EUA.

Como eu já sugeri, os resultados às vezes podem parecer cômicos. O ponto importante a se lembrar, porém, é que as pessoas na bolha têm muito poder, que elas usam em benefício de seus patronos. E a tendência à oligarquia continua.