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Oligarcas e dinheiro

Paul Krugman

07/04/2014 20h17

Os "econonerds" aguardam ansiosamente cada nova edição da "Perspectiva Econômica Mundial" do Fundo Monetário Internacional. Não importam as previsões, o que esperamos são os capítulos analíticos, que sempre são interessantes e até provocativos. Este último relatório não é exceção. Em particular, o Capítulo 3 - embora anunciado como uma análise de tendências das taxas de juros reais (ajustadas pela inflação) -, na verdade defende de forma atraente o aumento das metas de inflação acima de 2%, a norma atual nos países avançados.

Essa conclusão se enquadra com outras pesquisas do FMI. No mês passado, o blog do fundo - sim, ele tem um - discutiu os problemas criados pela baixa inflação, que é quase tão destrutiva quanto a deflação. Uma edição anterior da "Perspectiva Econômica Mundial" analisou experiências históricas com alta dívida e descobriu que os países que deixaram a inflação erodir sua dívida - incluindo os EUA - se saíram muito melhor que aqueles, como a Grã-Bretanha depois da Primeira Guerra Mundial, que se prenderam à ortodoxia monetária e fiscal.

Mas o FMI evidentemente não se sente capaz de dizer com franqueza o que sua análise claramente implica. Em vez disso, o relatório recorre a eufemismos que preservam a possibilidade de desmentidos: a análise "poderia ter implicações para a estrutura de política monetária apropriada".

Então, o que torna o óbvio indizível? Em um sentido direto, o que estamos vendo é o poder da sabedoria convencional. Mas a sabedoria convencional não vem do nada, e estou cada vez mais convencido de que nosso fracasso em lidar com o alto desemprego tem muito a ver com interesses de classe.

Primeiro, vamos falar sobre a tese da inflação mais alta.

Muitas pessoas entendem que o nível de preços em queda é ruim; ninguém quer se transformar no Japão, que lutou com a deflação desde os anos 1990. O que é menos compreendido é que não existe uma linha vermelha em zero: uma economia com 0,5% de inflação terá muitos problemas iguais aos de uma economia com 0,5% de deflação. Foi por isso que o FMI advertiu que a inflação baixa está colocando a Europa em risco de estagnação no estilo japonês, apesar da deflação literal (ainda) não ter acontecido.

A inflação moderada vem a servir a diversos propósitos úteis. É boa para os devedores - e portanto boa para a economia como um todo, quando a sombra da dívida retém o crescimento e a criação de empregos. Ela incentiva as pessoas a gastar, em vez de guardar dinheiro - mais uma vez, uma boa coisa em uma economia deprimida. E pode servir como uma espécie de lubrificante econômico, facilitando o ajuste de salários e preços diante da demanda instável.

Mas quanta inflação é apropriada? A inflação europeia está abaixo de 1%, que é claramente baixa demais, e a inflação nos EUA não está muito mais alta. Mas seria suficiente voltar a 2%, a meta oficial de inflação tanto na Europa quanto nos EUA? Quase certamente não.

Os especialistas monetários há muito tempo conhecem a tese da inflação moderada, mas nos anos 1990, quando a meta de 2% estava se transformando em ortodoxia política, eles pensavam que 2% fosse alto o suficiente para fazer o serviço. Em particular, pensavam que fosse suficiente para tornar muito raras as armadilhas de liquidez - períodos em que até uma taxa de juros zero não é baixa o suficiente para restaurar o pleno emprego. Mas os EUA estão em uma armadilha de liquidez há mais de cinco anos. Claramente, os especialistas estavam errados.

Além disso, como mostra o último relatório do FMI, existem fortes evidências de que mudanças na economia global estão aumentando a tendência dos investidores a acumular dinheiro em vez de colocá-lo para trabalhar, assim aumentando o risco de armadilhas de liquidez a menos que a meta de inflação seja elevada. Mas o relatório não ousa dizer isso diretamente.

Então por que o óbvio é indizível? Uma resposta é que as pessoas sérias gostam de provar sua seriedade pedindo opções duras e sacrifícios (dos outros, é claro). Elas detestam que lhes deem respostas que não envolvam mais sofrimento.

E suspeita-se que por trás dessa atitude esteja a visão de classe. Fazer o que os EUA fizeram depois da Segunda Guerra Mundial - usar baixas taxas de juros e de inflação para reduzir o peso da dívida - é muitas vezes citado como "repressão financeira", o que soa mal. Mas quem não preferiria uma inflação modesta e um pouco de erosão de ativos ao desemprego em massa? Bem, você sabe quem: o 0,1% que recebe "apenas" 4% dos salários mas representa mais de 20% da riqueza total. Uma inflação modestamente mais alta, digamos de 4%, seria boa para a vasta maioria das pessoas, mas seria ruim para a superelite. E adivinhe quem define a sabedoria convencional.

Entretanto, não penso que o interesse de classe seja todo-poderoso. Bons argumentos e boas políticas às vezes predominam, mesmo que prejudiquem o 0,1% - senão, nunca teríamos realizado a reforma da saúde. Mas precisamos deixar claro o que está acontecendo e perceber que em política monetária, assim como em muitas outras coisas, o que é bom para os oligarcas não é bom para os EUA.