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Viciados em inflação

Paul Krugman

19/07/2014 00h01

O primeiro passo para uma recuperação é admitir que você tem um problema. Isso vale tanto para movimentos políticos quanto para pessoas. Por isso, tenho alguns conselhos para os chamados conservadores da reforma, que tentam reconstruir a vitalidade intelectual da direita: vocês precisam começar a enfrentar o fato de que seu movimento está dominado por alguns impulsos incontroláveis. Em particular, ele está viciado em inflação - não a coisa em si, mas a afirmação de que a inflação disparada está acontecendo ou prestes a acontecer.

Para entender do que estou falando, considere uma cena que passou outro dia na CNBC.

Rick Santelli, um dos astros da rede, é mais conhecido por um sermão contra o alívio da dívida que possivelmente deu origem ao Tea Party. Nesta ocasião, porém, ele estava arengando sobre outro de seus assuntos favoritos, as políticas supostamente inflacionárias do Federal Reserve. E seu colega Steve Liesman não aguentou. "Você não poderia estar mais errado", declarou Liesman, e passou a detalhar as previsões enganadas: "As taxas de juros mais altas nunca chegaram, a incapacidade dos EUA de vender títulos nunca aconteceu, o dólar nunca quebrou, Rick. Não há uma que tenha dado certo para você".

Você poderia dizer a mesma coisa sobre muitas pessoas. Eu tive conversas com investidores preocupados porque o dólar não quebrou e a inflação não subiu, porque "todos os especialistas" diziam que isso ia acontecer. E é de fato o que você poderia ter imaginado se sua noção de perícia fosse o que você vê na CNBC, na página de editoriais do "Wall Street Journal" ou na revista "Forbes".

E isso vem acontecendo há muito tempo - pelo menos desde o início de 2009. Apesar de estarem constantemente errados por mais de cinco anos, esses "especialistas" nunca consideram a possibilidade de que talvez haja algo errado em seu esquema econômico, quanto menos que Ben Bernanke, Janet Yellen ou, nesse caso, este que lhes escreve, possam ter razão ao descartar suas advertências.

No máximo, a turma da inflação-está-chegando admite que ela ainda não aconteceu, mas atribui o atraso a circunstâncias imprevisíveis. Assim, em um depoimento recente no Congresso, Lawrence Kudlow, também da CNBC, advertiu sobre "o excesso de dinheiro e um dólar desvalorizado". Entretanto, "milagrosamente, tanto os indicadores da inflação real como da prevista ficaram baixos". Não é algo errado no meu modelo. É um milagre!

No pior dos casos, os inflacionistas recorrem a teorias da conspiração: a inflação já está alta, mas o governo está escondendo. As fontes que pretendem documentar essa ocultação foram totalmente desmentidas anos atrás; entre outras coisas, indicadores de inflação privados como o Índice do Bilhão de Preços (derivado de preços da internet) basicamente confirmam os números oficiais. Além disso, os teóricos da conspiração da inflação enfrentaram uma merecida ridicularização até de seus colegas conservadores. Mas a teoria conspiratória continua vindo à superfície. Ela foi usada, previsivelmente, para defender Santelli.

Tudo isso é muito frustrante para aqueles conservadores da reforma. Se você perguntar que novas ideias eles têm a oferecer, eles costumam mencionar o "monetarismo de mercado", que significa nas atuais circunstâncias a noção de que o Fed deveria estar fazendo mais, e não menos.

Um membro do grupo, Josh Barro - que hoje está no "New York Times" - foi tão longe quanto a chamar o monetarismo de mercado de "o brilhante sucesso do movimento reformista conservador". Mas essa ideia não ganhou tração com o restante do conservadorismo americano, que ainda está obcecado pela ameaça fantasma da inflação disparada.

E as raízes do vício da inflação são profundas. Os reformistas gostam de minimizar a influência das fantasias libertárias - que invariavelmente envolvem a noção de que o desastre inflacionário está próximo, a menos que voltemos ao ouro - sobre os líderes conservadores de hoje. Mas para fazer isso você tem de rejeitar o que esses líderes realmente disseram.

Se, por exemplo, as pessoas acusam o deputado Paul Ryan, presidente da Comissão de Orçamento da Câmara, de acreditar que ele vive em um romance de Ayn Rand, é porque em 2009 ele disse que "vivemos em um romance de Ayn Rand".

De modo mais geral, o conservadorismo americano moderno é profundamente oposto a qualquer forma de ativismo do governo, e, embora a política monetária às vezes seja tratada como um assunto tecnocrático, a verdade é que imprimir dólares para combater uma crise, ou mesmo para estabilizar uma definição mais ampla da oferta de dinheiro, é de fato uma política ativista.

A questão, portanto, é que o vício em inflação está nos dizendo algo sobre a situação intelectual de um dos lados de nossa grande divisão nacional. O enfoque obsessivo da direita em um problema que não temos, sua recusa a reconsiderar suas premissas apesar do fracasso prático avassalador, nos diz que na verdade não estamos tendo qualquer tipo de debate racional. E isso, por sua vez, é um mau presságio não apenas para os supostos reformistas, mas para o país.